As diferentes formas de contar uma história

Show da cantora Anitta, no Coachella 2022, tem repercussão internacional distinta do que é visto em matérias brasileiras

Lucas Taveira
singular&plural
3 min readMay 30, 2022

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Por Hellen Oliveira, Júlia de Lima e Lucas Taveira

Uma das primeiras teorias do jornalismo já surgida foi a do Espelho, que explica como é o funcionamento das notícias. Sob esse viés, o jornalismo reflete a realidade, ou seja, atua como um espelho do mundo real que, posteriormente, apenas apresenta um reflexo dos acontecimentos. Entretanto, a teoria é alvo de fortes críticas, afinal, o conceito de objetividade jornalística é, para muitos, inatingível. Utilizar da linguagem neutra sem tender para a própria ideologia do jornalista se torna uma árdua tarefa, tendo em vista que a própria seleção do conteúdo e da linguagem já carrega certa bagagem pessoal.

Dessa forma, existe uma construção da realidade por trás do fato noticiado, o chamado enquadramento. Ao analisar um discurso, o enquadramento selecionado pelos jornalistas e comunicadores se torna produto de algumas ações, como a inclusão, exclusão ou reforço de um determinado acontecimento. Para exemplificar, é possível analisar as diferentes formas de retratação, no Brasil e no mundo, da participação da cantora Anitta no Coachella 2022, principal festival de música dos Estados Unidos.

Na imprensa internacional, foram analisados diversos aspectos artísticos da apresentação de Anitta no Coachella. Na Variety, centenária revista estadunidense sobre entretenimento, foram destacados os detalhes de cada ato da apresentação da brasileira. Os cenários, trocas de figurino, transições de gêneros musicais e toda a mudança de atmosfera que segue foram pauta da Variety, bem como a exaltação da diversidade, espetáculo e entrega da cantora e sua equipe.

Um dos cenários em que a cantora Anitta se apresentou fez alusão às favelas e morros do Rio de Janeiro. (Foto: Reprodução Twitter / Anitta)

Na Billboard, principal chart de música do mundo e relevante veículo de informação do meio, a performance de Anitta também teve a qualidade artística ressaltada, assim como os artistas convidados que levou para o palco, a representatividade da diversidade da cultura brasileira e o caráter de espetáculo do show, dizendo que “a performance foi extremamente atraente, ninguém era capaz de de tirar os olhos do palco”. Por fim, a matéria fechou reforçando a força de Anitta no cenário mundial, que atingiu o top 1 global do Spotify com o hit “Envolver”.

Na mídia brasileira, o show de Anitta no festival foi noticiado nos principais veículos de comunicação, como Globo, Record, UOL, Terra e CNN, mas a abordagem foi diferente da internacional. Em vez de focar nas questões artísticas, as matérias deram bem menos espaço a esse aspecto. Aqui, o que foi ressaltado foram as referências levadas ao palco e, devido ao conhecimento maior da cultura e do que bombou em nosso país, a listagem foi 100% certeira e nada genérica.

Mais do que isso, as matérias comentaram as manifestações de Anitta contra o presidente Jair Bolsonaro. Isso não repercutiu da mesma maneira internacionalmente por causa do caráter das empresas de mídia, que falam mais exclusivamente sobre entretenimento. Diferente das empresas brasileiras de grande mídia, que possuem as mais diversas editorias e cobrem todos os setores que interessam à sociedade.

Após a análise comparativa das matérias publicadas no Brasil e no exterior é possível concluir que o enquadramento difere muito de acordo com os interesses do público e a linha editorial do veículo, mas que isso, nesse caso, não quer dizer que um está certo e outro errado, e sim que apenas possuem propósitos diferentes. Isso, por sua vez, nos mostra a diferença de realidade entre sociedades e como os comunicadores constroem essa representação, seguindo seus costumes, gerando produtos bem diversos. De igual forma, a informação que é incluída, excluída ou salientada nos revela o que é mais importante para cada empresa e abre espaço para outra futura discussão: quais veículos de uma mesma sociedade, a brasileira, no caso, tendem a representar melhor os fatos para a sociedade.

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