As faces do MST na mídia

De invasores a maiores produtores de arroz orgânico da América Latina, a mídia não mede adjetivos quando se trata do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

Mariana Apolinario
singular&plural
4 min readOct 8, 2020

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Por Izabel Rodrigues, Luana Figueiredo e Mariana Apolinario

Nenhuma palavra dentro do jornalismo é escrita por acaso. Todas têm uma intenção, seja afagar uma situação ou insinuar algo que não possa ser dito explicitamente. Analisamos o tratamento dado ao MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) pela Folha de S.Paulo. Para isso, selecionamos as três matérias mais recentes publicadas online pelo jornal que discorrem sobre o movimento. Foram consideradas a pluralidade de fontes, as imagens publicadas nas reportagens e as palavras utilizadas para se referir ao MST e às ocupações.

Na matéria “Ação de despejo em meio a pandemia leva tensão a acampamento sem-terra em MG”, publicada em 16 de agosto de 2020, observamos que, para se referir aos membros do MST, é utilizada a palavra “invasores” e as áreas ocupadas pelo grupo são denominadas como “áreas invadidas” (o verbo invadir é citado seis vezes). Há também o uso constante da conjunção adversativa “mas” para explicitar ações do MST versus ação da Polícia Militar diante do ocorrido, de forma pejorativa em relação ao grupo.

Criador: Mídia NINJA. Direitos autorais: (CC BY-SA) NINJA. Fonte: Flickr Mídia Ninja, acesso em 23/09/2020

Na reportagem, foram ouvidos os sem-terra, o arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira Azevedo, o governador Romeu Zema e a Polícia Militar, conferindo uma pluralidade de fontes. No entanto, alguns trechos descredibilizam o depoimento dos integrantes do MST, partindo do pressuposto de que a informação dada pela Polícia Militar é a confirmada enquanto a do sem-terra é duvidosa, como em “a ação de reintegração foi de uma área menor, onde viviam seis famílias, segundo a polícia. O MST fala que são 14”. Em outro momento, é insinuado que as atitudes tomadas pela PM foram inventadas pelos integrantes do movimento (“grupo do MST resistiu por 56 horas à reintegração que deixou feridos e diz que policiais destruíram casas e lavouras”).

A reportagem conta com uma imagem dos integrantes do MST montando barricadas para conter a PM, mas não possui nenhuma fotografia da ação da polícia. Dessa forma, o caráter agressivo dos sem-terra é reforçado, enquanto a ação policial continua uma incógnita, colocando o MST na posição de opressor ao invés de oprimido. Ao contrário das outras matérias analisadas, que citam que o MST é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, a reportagem aborda somente o despejo e não inclui nada que esteja relacionado à trajetória do movimento no local.

Membros do MST montam barricadas para impedir avança da polícia. Reprodução Instagram @movimentosemterra. Acesso em 23/09/2020.

Já a matéria “Bolsonaro incrementa verba para ruralistas e reduz quase a zero a reforma agrária”, publicada em 8 de setembro de 2020, aborda a situação da reforma agrária durante o governo atual. O veículo destaca que o MST é intitulado de grupo terrorista pelo presidente, que, em uma das fotos, aparece ao lado do Secretário de Assuntos Fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia. Enquanto isso, a matéria coloca Lula como amigo dos sem-terra, mostrando uma imagem de uma partida de futebol entre o ex-presidente e o time “Amigos do MST”. Na reportagem, o veículo utiliza 21 dados, incluindo um gráfico, para comparar a quantidade de assentamentos e a verba investida na reforma durante os últimos governos brasileiros e o de Bolsonaro. Há o emprego da palavra “invasão” para se referir à área ocupada pelo MST uma vez.

O texto possui sete fontes, dentre elas há o chefe da pasta de Política Fundiária, Raul Jungmann, que nega a relevância da reforma agrária no cenário atual; o ex-ministro de Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, que aponta a urgência de investimento nos assentamentos; o Incra, o Ministério da Agricultura, a CNASI, o deputado federal Beto Faro (PT-PA) e o professor da UnB Sérgio Sauer. A pluralidade de fontes favorece o caráter dialógico do texto e, junto à variedade de dados, torna esta matéria mais objetiva do que a anterior.

A terceira matéria, “MST diz que manterá preço justo por arroz de assentamento”, de 20 de setembro de 2020, destaca que o grupo é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina e cita os preços das safras de arroz no cenário brasileiro atual. Há três imagens na reportagem, em uma delas a produção do arroz é o enfoque e, nas outras duas, os consumidores de arroz são fotografados. Foram entrevistados Emerson Giacomelli, diretor do grupo Gestor do Arroz Orgânico e da Cootap e a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Apesar de possuir apenas duas fontes, o texto é objetivo, sem a utilização de adjetivos ou palavras para uma construção pejorativa.

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