As faces do MST na mídia
De invasores a maiores produtores de arroz orgânico da América Latina, a mídia não mede adjetivos quando se trata do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
Por Izabel Rodrigues, Luana Figueiredo e Mariana Apolinario
Nenhuma palavra dentro do jornalismo é escrita por acaso. Todas têm uma intenção, seja afagar uma situação ou insinuar algo que não possa ser dito explicitamente. Analisamos o tratamento dado ao MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) pela Folha de S.Paulo. Para isso, selecionamos as três matérias mais recentes publicadas online pelo jornal que discorrem sobre o movimento. Foram consideradas a pluralidade de fontes, as imagens publicadas nas reportagens e as palavras utilizadas para se referir ao MST e às ocupações.
Na matéria “Ação de despejo em meio a pandemia leva tensão a acampamento sem-terra em MG”, publicada em 16 de agosto de 2020, observamos que, para se referir aos membros do MST, é utilizada a palavra “invasores” e as áreas ocupadas pelo grupo são denominadas como “áreas invadidas” (o verbo invadir é citado seis vezes). Há também o uso constante da conjunção adversativa “mas” para explicitar ações do MST versus ação da Polícia Militar diante do ocorrido, de forma pejorativa em relação ao grupo.
Na reportagem, foram ouvidos os sem-terra, o arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira Azevedo, o governador Romeu Zema e a Polícia Militar, conferindo uma pluralidade de fontes. No entanto, alguns trechos descredibilizam o depoimento dos integrantes do MST, partindo do pressuposto de que a informação dada pela Polícia Militar é a confirmada enquanto a do sem-terra é duvidosa, como em “a ação de reintegração foi de uma área menor, onde viviam seis famílias, segundo a polícia. O MST fala que são 14”. Em outro momento, é insinuado que as atitudes tomadas pela PM foram inventadas pelos integrantes do movimento (“grupo do MST resistiu por 56 horas à reintegração que deixou feridos e diz que policiais destruíram casas e lavouras”).
A reportagem conta com uma imagem dos integrantes do MST montando barricadas para conter a PM, mas não possui nenhuma fotografia da ação da polícia. Dessa forma, o caráter agressivo dos sem-terra é reforçado, enquanto a ação policial continua uma incógnita, colocando o MST na posição de opressor ao invés de oprimido. Ao contrário das outras matérias analisadas, que citam que o MST é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, a reportagem aborda somente o despejo e não inclui nada que esteja relacionado à trajetória do movimento no local.
Já a matéria “Bolsonaro incrementa verba para ruralistas e reduz quase a zero a reforma agrária”, publicada em 8 de setembro de 2020, aborda a situação da reforma agrária durante o governo atual. O veículo destaca que o MST é intitulado de grupo terrorista pelo presidente, que, em uma das fotos, aparece ao lado do Secretário de Assuntos Fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia. Enquanto isso, a matéria coloca Lula como amigo dos sem-terra, mostrando uma imagem de uma partida de futebol entre o ex-presidente e o time “Amigos do MST”. Na reportagem, o veículo utiliza 21 dados, incluindo um gráfico, para comparar a quantidade de assentamentos e a verba investida na reforma durante os últimos governos brasileiros e o de Bolsonaro. Há o emprego da palavra “invasão” para se referir à área ocupada pelo MST uma vez.
O texto possui sete fontes, dentre elas há o chefe da pasta de Política Fundiária, Raul Jungmann, que nega a relevância da reforma agrária no cenário atual; o ex-ministro de Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, que aponta a urgência de investimento nos assentamentos; o Incra, o Ministério da Agricultura, a CNASI, o deputado federal Beto Faro (PT-PA) e o professor da UnB Sérgio Sauer. A pluralidade de fontes favorece o caráter dialógico do texto e, junto à variedade de dados, torna esta matéria mais objetiva do que a anterior.
A terceira matéria, “MST diz que manterá preço justo por arroz de assentamento”, de 20 de setembro de 2020, destaca que o grupo é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina e cita os preços das safras de arroz no cenário brasileiro atual. Há três imagens na reportagem, em uma delas a produção do arroz é o enfoque e, nas outras duas, os consumidores de arroz são fotografados. Foram entrevistados Emerson Giacomelli, diretor do grupo Gestor do Arroz Orgânico e da Cootap e a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Apesar de possuir apenas duas fontes, o texto é objetivo, sem a utilização de adjetivos ou palavras para uma construção pejorativa.