As panelas voltaram a ser instrumento para cozinhar

Álvaro Nabuco
singular&plural
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4 min readMay 29, 2018

Frente ao caótico e impolular governo de Temer, manifestações e protestos são quase nulos por parte da mídia

Por Álvaro Nabuco e Arthur Gabor

Quem não participou, presenciou. À noite, por volta das 20h, um tumulto se iniciava. Sentado na mesa de um bar, no conforto de sua casa ou no trânsito, dava para ouvir gritos, buzinas e vuvuzelas. Pessoas se reuniram contra a corrupção vestindo a camisa da CBF, ironicamente (ou talvez não) uma das corporações mais corruptas do país. Coros e cantigas, acompanhadas de marchas e danças coreografadas, surgiam pelas ruas. Pessoas olhavam para um telão com uma transmissão ao vivo e um placar no canto da tela na avenida Paulista. Duas coisas separam esta situação de uma partida da seleção brasileira: o povo brasileiro unido por uma causa única e o som da colher de madeira acertando o teflon da panela.

Apesar de ter uma origem um pouco diferente, os famosos, e até infames, panelaços tomaram conta do país durante a queda de Dilma Rousseff da presidência. As pessoas acertavam fervorosamente, e com uma precisão furiosa, na janela ou sacadas de suas casas, suas panelas que tiraram às pressas da dispensa para bater durante o pronunciamento do PT em cadeia nacional. Propagandas curtas de outros partidos, com menos de 15 segundos, começavam com críticas à Dilma e terminavam com o som das panelas sendo batidas, convocando implicitamente, quase que subliminarmente, o povo brasileiro a preparar seu protesto não-silencioso.

No dia 31 de agosto de 2016, Dilma finalmente caiu. Fogos de artifício dignos de final de campeonato de futebol foram soltos. Dois anos se passaram. A bolsa subiu, mas voltou a cair, o dólar está voltando para a casa dos R$ 4, a corrupção parece ter aumentado cada vez mais ainda e a situação não melhorou. Mas as panelas se emudeceram.

Há um ano, a Operação Carne Fraca teve seu início. A Polícia Federal disse que seria “a maior de sua história”, assim como a colossal Lava Jato. Até que foi exibido ao vivo o escândalo da JBS. Tal escândalo podia ser a esperança que o brasileiro precisava. Os que se julgam de esquerda falavam “eu avisei” com orgulho. Os supostos de direita teriam mais pelo que protestar e comemorar o resultado. Antigos inimigos finalmente abraçariam seus velhos inimigos de um anos atrás em prol de um novo inimigo em comum.

Movimentos que organizavam manifestações se calaram. O Movimento Brasil Livre, encurtado para MBL, trouxe aos holofotes o dúbio Kim Kataguiri, jovem de então 19 anos que largou a faculdade alegando saber mais do que o professor que leciona, estudou e viveu um pouco mais do que ele. Por sua idade, atraiu jovens de sua idade e outros mais velhos que admiravam uma juventude que finge ser informada. Seu único alvo, o PT, continua sendo chutado igual cachorro morto, mesmo com a saída de Dilma e a prisão de Lula. A obsessão do jovem garoto garantiu um emprego temporário para ele na Folha de São Paulo. O estranho mesmo foi seu desconfortável silêncio frente ao escândalo da JBS, e seus consequentes resultados que resultou na pior pizza que o brasileiro engoliu nos últimos tempos. Nenhum protesto ou panelaço, nem postagens de indignação igual aos de Dilma foram postados na sua página na rede social. Nenhuma reclamação sobre Temer, Aécio ou o deputado da mala, pegos em flagra rede social, serem livrados de qualquer punição.

A mídia abordou o assunto da JBS e sobre Temer, mas é inegável que não chegou nem perto da repercussão da época em que Dilma Rousseff era presidente. Há alguns anos era muito comum ver Dilma na capa de vários jornais, revistas e sites. Ganhava destaque em telejornais, era um acontecimento diário, a população nem se espantava mais. Hoje em dia é mais fácil achar uma notícia sobre Lula preso do que sobre a Operação Carne Fraca ou sobre escândalos de Michel Temer. Na Veja, por exemplo, Lula, que acabou seu mandato há quase oito anos e está preso, já foi citado na capa por seis vezes. Temer três, isso já contando com a edição do dia 30 de maio, que nem chegou às bancas no momento da publicação deste texto. O caso de Marielle Franco e seu motorista, Anderson, ganhou destaque apenas uma vez. Já a Operação Carne Fraca apareceu somente vez, para ser criticada e ridicularizada. Do outro lado da moeda está a Carta Capital. Temer foi citado as mesmas três vezes. Lula apenas duas, e em ambas em tom de defesa do ex-presidente. Marielle foi capa por duas vezes seguidas. Sérgio Moro, que não é citado pela Veja, aparece como destaque por duas vezes na Carta Capital. Vale ressaltar que a Carta Capital teve 22 edições em 2018, enquanto a Veja, 26.

Enquanto as mídias perseguiam sem fim, e ainda perseguem, o PT e relacionados, difamam e incriminam sem parar, e convocavam a população para protestos e panelaços, o modo de agir deles parece ter mudado. O governo voltou a ser ruim sem precisar de impeachment, o povo voltou a ser inconformado sem protestar, as mídias voltaram a criticar passivamente, e as panelas voltaram a ser instrumento para cozinhar.

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Álvaro Nabuco
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Eu queria muito interpretar o Homem Aranha, ser cantor, ator de filme de comédia e game designer, mas por falta de opção, faço jornalismo