Até quando um grito pode ser silenciado?

Uma leitura jornalística da censura política no festival Lollapalooza

Andrei Semensato
singular&plural
3 min readApr 3, 2022

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Por Andrei Semensato

Público reage a concerto musical. Crédito: Anna-m. w./Pexels

No último fim de semana, de 25 a 27 de março de 2022, o Brasil recebeu a nona edição do festival Lollapalooza. Entre tantos shows e apresentações internacionais e nacionais, um dos destaques da mídia foi o pedido de silenciamento pedido pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, contra supostas campanhas políticas no evento.

O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Raul Araújo, aceitou a tese de que houve manifestação partidária prévia ao período eleitoral, durante as apresentações das cantoras Pabllo Vittar e Marina.

Vittar exibiu uma bandeira com o rosto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cotado como candidato ao Planalto. Já Marina discursou contra Bolsonaro e Vladimir Putin. Além delas, outros artistas criticaram o governo atual, como a banda Fresno, que exibiu um “Fora Bolsonaro” no telão.

Mas afinal, até que ponto governos podem silenciar manifestações contrárias em uma democracia?

Se analisarmos, não bastou apenas reprimir a militância dos artistas, já que o próprio público do Lollapalooza se mostrou, em maioria, contrário ao mandato do presidente. Portanto, a decisão foi incapaz de impedir a continuidade das críticas.

De acordo com a legislação eleitoral, campanhas políticas só poderão ser aceitas a partir de 16 de agosto. Anterior a essa data, são permitidas apenas reuniões para escolha dos candidatos, como já vem sendo feito.

Porém, querer silenciar manifestações em um festival de música pode ser encarado como censura, ainda mais quando há a tentativa de cancelar a liberdade de expressão dos artistas.

A mesma palavra “censura” apareceu no título da reportagem publicada pela Folha, no domingo (27/2/2022). A linha editorial que é há anos conhecida por defender a democracia e a pluralidade não hesitou em ouvir a T4F, empresa que promove o Lolla.

Festival Lollapalooza. Andrei Semensato/Acervo Pessoal

Como primeira fonte na estrutura do texto, a desenvolvedora afirmou não poder agir contra o discurso dos artistas, já que representa “o exercício regular da liberdade de expressão”.

Depois disso, o veículo apontou que o PT tentaria recorrer à decisão do TSE, já que envolveu indiretamente seu possível candidato. E em seguida, ouviu o presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral do IASP, Fernando Neisser, o qual apontou que a leitura da lei foi equivocada, pois a manifestação popular contra o governo não significa necessariamente apoio eleitoral a um político específico.

Assim como a Folha, a CNN também deu relevância para a opinião dos artistas. A reportagem trouxe uma aspa do cantor Lulu Santos, que durante sua participação no festival disse “cala boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu”.

Anitta também foi citada pela reportagem. Em rede social, a cantora ofereceu ajuda para pagar a multa de R$ 50 mil. “Entendo a questão de fazer campanha política para candidato, cada um vota em quem quer, porém proibir a gente de expressar nossa insatisfação com o governo atual é censura”, disse.

Observando os textos dos dois veículos, é possível dizer que a decisão política, sobretudo o lado de Bolsonaro, foi pouco consultada. As únicas menções estavam presentes apenas para informar o que foi levado ao TSE.

Por outro lado, as diretrizes do Art. 6º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros afirmam que é dever da profissão opor-se à opressão, defender os Direitos Humanos, lutar pela liberdade de pensamento e apoiar a democracia.

Sendo assim, é compreensível que os veículos tenham escolhido uma forma de expor uma tentativa de censura política de Bolsonaro, não apenas à Arte, mas ao direito social de poder se manifestar contra algo ou alguém.

Gritos silenciados já foram opiniões que deixaram de ser ouvidas. Em defesa da democracia, o Jornalismo atuou como denunciante intermediário da opressão.

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