Ataque nos Estados Unidos renova manchetes de racismo no país e reforça papel do jornalismo

Jovem matou dez pessoas em Nova York e deixou recado sobre supremacia branca nas redes sociais

Marcela Frese
singular&plural
3 min readMay 30, 2022

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Por Marcela Frese Teixeira e Pietra Minhon

Manifestantes protestam em movimento Black Lives Matter após a morte de George Floyd, nos Estados Unidos. (Foto: Agência Brasil)

O racismo existente nos Estados Unidos não é de hoje. Também não é da época das leis segregacionistas. Existe desde a colonização da América, quando as Colônias do Sul, focadas em monoculturas e grandes propriedades de terra com trabalho escravo, vigoraram em relação às do Norte. Depois da escravidão, o apartheid surgiu para acentuar as diferenças que já estavam intrínsecas na mentalidade americana e do mundo todo. No dia 14 de maio de 2022, mais um caso protagonizou as manchetes dos jornais para propagar ódio.

Um jovem branco de apenas 18 anos, Payton Gendron, matou dez pessoas a tiros e deixou três feridos no supermercado Tops Friendly Market, na cidade de Buffalo, em Nova York, nos Estados Unidos. As autoridades da polícia local alegaram que o suspeito fez um reconhecimento prévio da área do ataque e dirigiu mais de 300 quilômetros de sua cidade, Conklin, para onde supostamente poderia matar o maior número possível de pessoas negras.

Ainda segundo a polícia, o caso é investigado como um crime de ódio e extremismo violento com motivação racial. Ele estava armado com um fuzil do tipo AR-15 e vestia roupas militares, além de um colete a prova de balas. Ele se entregou e foi preso no local, mas o ataque ainda foi transmitido ao vivo pela plataforma Twitch, da Amazon. O porte de armas de fogo também não é um assunto novo em discussão nos Estados Unidos. No passado, o rapaz teria feito ameaças generalizadas, segundo a polícia, na escola em que estudava e foi encaminhado a um hospital para avaliação de sua saúde mental. Cerca de um dia e meio depois ele foi liberado e, mesmo com o histórico conturbado, conseguiu ter acesso sem muita dificuldade à arma do crime.

Os casos de violência contra negros no país cresceram com a ascensão de políticos extremistas, como o ex-presidente Donald Trump, com discursos de supremacia branca. Mesmo com movimentos como o Black Lives Matter, as autoridades ainda não conseguiram impedir o forte preconceito no país, tudo que o atual presidente Biden disse foi que houve um “terrorismo doméstico alimentado pelo ódio”. São em momentos como esse que o jornalismo relembra a essência de seu papel na sociedade.

O jornalismo é mais que produzir textos, vídeos ou áudios sobre assuntos diversos. Há um comprometimento da profissão com os fatos que ocorrem na sociedade e a responsabilidade de trazer consciência em torno de tudo que lhe diz respeito. Os jornalistas são mais que informantes: são formadores de opinião. Parte do trabalho do jornalista é saber a hora de se posicionar contra atitudes que não correspondem aos valores éticos e morais da profissão. O racismo é um desses exemplos, sobre o qual os veículos devem ser muito claros e objetivos quanto ao mal causado por ataques como este à sociedade. A reportagem do G1, da Globo, sobre o ocorrido em Buffalo, exemplifica muito bem como o posicionamento jornalístico de repreensão aos discursos de ódio e preconceito pode ser feito dentro das diretrizes de imparcialidade da profissão.

O título expressa posicionamento imediato por suas palavras diretas e agressivas: “Atirador de Buffalo queria matar negros, dizem autoridades”, mas é na linha fina que o verdadeiro posicionamento está: “Em ‘crime de ódio absolutamente racista’ que deixou dez mortos, jovem branco mirou área de população predominantemente negra para ‘tirar o maior número de vidas negras que pudesse’, dizem prefeito e polícia”. O espaço em que as aspas das autoridades foram utilizadas, mescladas com palavras da própria reportagem, claramente expressam o que o veículo gostaria de dizer, mas não pode para manter sua postura imparcial.

Com reportagens cada vez mais claras e objetivas, que noticiam os ataques à integridade de qualquer cidadão de forma repulsiva, a condenação ao preconceito se torna cada vez mais presente no juízo de valor popular, o que pode realmente causar uma mudança efetiva na sociedade, além do investimento em educação e medidas governamentais para conscientizar a população sobre essas questões.

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