Atentado na Somália é esquecido pela mídia

Andressa de Ungaro
singular&plural
Published in
4 min readNov 10, 2017

Por Andressa de Ungaro e Letícia Riva

No sábado, dia 14 de outubro de 2017, ocorreu o pior e maior atentado na região de Mogadíscio, capital da Somália, África. Dois veículos-bomba explodiram em áreas de grande concentração de pessoas. O primeiro ataque atingiu o coração da cidade, próxima ao Hotel Safari, além de alguns edifícios da região, inclusive a embaixada do Qatar. E o segundo ataque originou-se no distrito de Madina.

Com mais de 300 mortos, 350 feridos e dezenas de corpos carbonizados, a mídia tradicional, ou sequer qualquer tipo de mídia, achou interessante revelar o atentado. Edifícios foram totalmente destruídos e hospitais ficaram lotados, esperando por alguma ajuda médica.

A Somália é considerada o país que registra mais atentados terroristas no mundo. Só em 2017 foram vivenciados 50 ataques, 38 destes na capital. Isso se deve a presença de combatentes jihadistas do grupo Al Shabab, ligados à Al-Qaeda, que controlam as zonas do sul e centro do país para tentar derrubar o governo central — apoiado pela ONU e pela União Africana — e assumir o poder. Sendo assim, bases militares e alvos civis são atacados constantemente.

Os grandes veículos abordaram o tema de forma breve dias e dias depois do atentado. Sem muitos rodeios jornalísticos e busca pela informação, a mídia somente apresentou o lead da situação da Somália. Sem muitas investigações e apurações, não se buscou entender o porquê do atentado. O desinteresse por essa pauta questiona a moral do jornalismo realizado nos dias de hoje.

A questão em foco é por que um atentado em Nova York, Paris, ou o mais recente, em Las Vegas, tomam proporções gigantescas (independente da quantidade), enquanto outros acontecem, como na Somália, por exemplo, e ninguém se dispõe a falar ou questionar sobre o assunto? Não se vela as mortes africanas como foram veladas os filhos da pátria americana.

É claro que no jornalismo existe a priorização de pautas devido a uma infinidade de características — conhecidas no universo do jornalismo como critérios de noticiabilidade — e a localização é um desses fatores. No entanto, acredita-se também no quesito humanidade e, por razões de ética jornalística, esta deveria prevalecer.

O atentado de 11 de setembro em 2001, por exemplo, teve uma grande visibilidade na mídia, pois Nova York é um dos polos econômicos mais fortes do mundo e é um dos lugares mais conhecidos turisticamente, afetando assim uma quantidade significativa da comunidade internacional. E a intensa cobertura jornalística realizada na época repercute até hoje, servindo de exemplo para novos ocorridos.

Um atentado ocorrido na região da Somália, além de ser “distante geograficamente” em comparação aos pólos urbanos, também é uma região com diferenças culturais. As formas de impacto de um atentado para outro aparentemente diferem quando se trata de localidade. Porém, é papel do jornalismo tentar trazer as mais diversas realidades que acontecem pelo mundo todo e não só focar em temas globalizados.

O avanço de tecnologias ajudou muito na evolução dos processos comunicativos nesta era da informação. Não haveria motivos ou desculpas em dizer que não teria como ter acesso às informações da Somália, porque existem correspondentes em todo lugar do mundo hoje em dia. E mesmo se não houvesse uma pessoa física no local, existe a internet que conecta tudo e a todos para nos fazer entender o que aconteceu lá.

Dessa forma entende-se que o reflexo do atentado da Somália não atingiu a relevância necessária para ser abordada em grandes veículos de comunicação por motivos ainda não esclarecidos — como disseram eles em relação ao atentado. Não se buscou saber a causa do atentado e nem a influência da Turquia nesta situação. Afinal o que a Turquia tem a ver com isso?

Quando a mídia toma certas decisões em não falar sobre assuntos específicos, instantaneamente esse tipo de comportamento afeta e transforma a opinião do público. Cria-se a bolha midiática, em que se só se fala sobre tais assuntos, a partir de "x" pensamentos e ideologias. Não há uma amplitude de versões e multiplicidade de vozes, que é o que o bom jornalismo pede. A pluralidade se perdeu em meio às ideologias, e os discursos se tornam cada vez mais univisionários.

Infelizmente, as pessoas não se sensibilizam com fatos que não estão em sua zonas de visão ou próximos à realidade em que vivem. Existem milhares de exemplos, como o genocídio em Ruanda — onde mais de 800 mil pessoas foram mortas em 1994, e ainda existem conflitos sobre isso no país até hoje —, e pouco se fala sobre o assunto.

A questão primordial do jornalista é informar o público, independente do grau da notícia, se mataram um ou se mataram mil. O jornalista deve passar a informação e fazer com que o leitor se questione e, de certa forma, busque entender todas as visões e enxergar aqueles que são transparentes nas grandes mídias. Deve-se informar o fato favorável ou desfavorável para a sociedade. Quem julga o grau de sua importância é o público na hora de vender a notícia. No entanto, que sejam vendidas, mas que os tidos como transparentes não sejam esquecidos.

Referências bibliográficas

LONGO, Ivan. O silêncio ensurdecedor da mídia com relação ao atentado na Somália. Disponível em: <https://www.revistaforum.com.br/2017/10/16/o-silencio-ensurdecedor-da-midia-com-relacao-ao-atentado-na-somalia/>. Acesso em: 16 out. 2017.

EL PAÍS. Atentado na Somália, terror e caos em meio à fome aguda e à seca. Entenda. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/21/album/1500662912_034063.html#1500662912_034063_1500663629>. Acesso em: 18 out. 2017.

RUIC, Gabriela. O que se sabe sobre o atentado terrorista na Somália. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/mundo/o-que-se-sabe-sobre-o-atentado-terrorista-na-somalia/>. Acesso em: 16 out. 2017.

--

--

Andressa de Ungaro
singular&plural

Jornalista | Repórter | Produção de conteúdo e audiovisual. Em busca de histórias que nos façam sair do eixo, questionar o mundo e trazer novas perspectivas.