Atos de 7 de setembro deflagram ainda mais a parcialidade no jornalismo

Dualidade entre veículos ganhou força na retratação das manifestações convocadas por Bolsonaro

Lucy Matos
singular&plural
3 min readOct 9, 2021

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Por Lucy Matos e Vinícius Lima

Atos pró-Bolsonaro na última celebração do Dia da Independência em Belo Horizonte, MG. Crédito: Matheus Câmara da Silva / Unsplash.

O dia 7 de setembro é, desde 1822, um marco histórico para o Brasil. A data remete à declaração da independência do país. Todo ano, o Planalto tradicionalmente se manifesta quanto a isso em forma de celebrar a liberdade. Contudo, no aniversário de 199 anos do acontecimento histórico, as manifestações, tanto do próprio governo, quanto da população, tiveram outra pauta. Encorajados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), muitos brasileiros foram às ruas protestar contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e pedir, entre outras ideologias antidemocráticas, a volta dos militares ao poder.

Diante das falas do presidente, afirmando que desrespeitaria qualquer determinação do STF, um dos grandes valores jornalísticos, a imparcialidade, fortemente ligada à concepção de verdade no conceito popular, foi, mais uma vez, fácil de se questionar nas retratações dos fatos realizadas pela mídia brasileira. Em cenário de instabilidade política, é possível manter a neutralidade?

Veículos da grande mídia, como Folha de S.Paulo e O Globo, apresentaram em suas capas, pós-atos bolsonaristas, discursos que indicavam, de maneira mais explícita, posicionamentos contra essas manifestações. Já outros impressos, como o Zero Hora e o Correio do Povo, também se posicionaram, com expressões que trouxeram um tom mais favorável ao governo. Enquanto a Folha de S.Paulo utilizou, na capa de sua edição de 8 de setembro de 2021, expressões como “ameaça de golpe” e “pressão por impeachment cresce” para descrever os acontecimentos do dia anterior, o jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul, optou por palavras como “encorajado” e “força de atos” para retratar o mesmo episódio.

As duas capas são de grande contraposição, inclusive, quando analisados os elementos visuais. A foto principal da Folha tem a avenida Paulista, no trecho em frente ao Masp, repleta de manifestantes. Contudo, a imagem mostra um espaço aberto no meio da aglomeração, que revela parte da frase “Vidas pretas importam”, pintada na pista no começo do ano. Já no recorte do ZH, a imagem retrata a avenida do mesmo ângulo, porém, sem o vão, destacando textualmente o dizer “multidão reunida”, dando sentido de grandiosidade.

Essa dualidade também é vista em outros impressos. O Globo, por exemplo, diz que Bolsonaro comanda “atos golpistas e amplia isolamento político”, enquanto; segundo o Correio do Povo, as manifestações “mobilizam multidões” pelo país. Afinal, Bolsonaro sai enfraquecido ou fortalecido dos protestos? A verdade, que é relativa e nunca absoluta, é apresentada por diferentes visões, nas linhas e entrelinhas de cada chamada.

Partindo do princípio de que a imparcialidade deve, de maneira até mesmo que virtuosa, deixar o leitor tirar suas próprias conclusões ou desenvolver senso crítico sem nenhum tipo de indução, esse é um valor impossível de ser seguido na prática. Até porque, desde a apuração, a percepção e até mesmo a construção dos fatos por meio de um texto, vídeo, fala ou qualquer outro meio de comunicação, são feitas escolhas para transmitir as mensagens. Cada jornal tem uma linha editorial, o que já impede que sejam apresentadas matérias ou notícias incongruentes com essa ideologia. Cada jornalista tem seu próprio repertório utilizado para apurar os ocorridos.

Com o fortalecimento da internet como um espaço democrático para pessoas debaterem ideias e terem mais acesso à informação, cresceram, também, os questionamentos sobre o papel jornalístico na sociedade. Assim, são evidenciados cada vez mais casos de coberturas parciais de distintos veículos, não que isso seja errado, relacionadas ao mesmo acontecimento. O grande problema é que, como grande parte dos jornais ainda prega a imparcialidade como um valor seguido, o próprio senso crítico das massas já tem percebido, na prática, a incoerência entre discurso e prática. Dessa forma, o que é melhor para o jornalismo: assumir a parcialidade ou tentar escondê-la por trás de suas nada sutis formas de expressão?

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