Caso Escola Base: imprensa ainda comete erros parecidos aos de 20 anos atrás

Repercussão negativa de cobertura ainda exige atenção às gafes e retratações

Giulia Alecrim
singular&plural
3 min readJun 6, 2021

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Por Giulia Alecrim e Laura Quadros

Em março de 1994, na cidade de São Paulo, seis pessoas — entre elas, donos e funcionários de uma escola infantil — foram acusadas por duas mães de abuso sexual aos alunos, na época menores de 10 anos. A denúncia foi apresentada e, meses depois, a investigação foi arquivada. Durante o desenvolvimento do inquérito, com medo de que nada pudesse ser identificado pela Polícia, as mães foram à imprensa a fim de dar voz ao caso e a notícia passou a estampar jornais e televisões.

A cobertura, discussão e divulgação sobre o caso da ‘Escola Base’ era tamanha que os veículos passaram a ouvir diversas pessoas e fazer suas próprias investigações, o que contribuiu para que uma serie de fake news, sem a mínima comprovação, circulassem pela imprensa, piorando a situação. Uma manchete publicada no jornal paulistano “Notícias Populares”, por exemplo, trazia o título: “Kombi era motel na escolinha do sexo”. Com a pressão da imprensa, o delegado do caso também passou a dar declarações parciais aos jornalistas, causando assim um repúdio em massa da população contra os acusados.

Corredor vazio em escola — Crédito: Elizabeth Aferry; Pixabay

Três meses depois, apesar dos suspeitos terem sido inocentados, todo o estrago social já havia sido feito. Além dos danos psicológicos, houve também o abalo financeiro na vida dos acusados, que ficaram com a reputação manchada e ainda demoraram anos para receber indenização.

O caso trouxe visibilidade e repercutiu as responsabilidades da imprensa, e o advento da internet tornaria ainda mais fácil essa disseminação de informações falsas em tempos atuais, o que causaria estragos ainda maiores. Princípios básicos de uma cobertura também passaram a ganhar destaque: apurar, pesquisar, ouvir e passar a informação de maneira verídica e acessível para todos.

Mas apesar de todos os ensinamentos do que podemos considerar ter sido um dos casos mais vergonhosos do jornalismo brasileiro, a imprensa continua errando. Em coberturas de crimes, por exemplo, a mídia continua divulgando informações pessoais de indivíduos considerados suspeitos e em alguns casos não procura defesas ou testemunhas que possam rebater ou validar versões. O papel da mídia no caso Escola Base era pressionar as autoridades para identificarem o que estava acontecendo entre crianças e professores, mas acabou pressionando a Polícia a contribuir para o linchamento moral dos donos. Cabe à Justiça julgar; nós devemos apenas informar.

A imprensa também deixa a desejar em casos de retratação, especialmente por saber que uma nota informativa sobre erros jamais terá a mesma visibilidade que a informação primária.

Apesar de, durante a cobertura do caso, os jornalistas terem ciência da falta de provas para acusar a escola, decidiram seguir adiante com a notícia para não serem furados por concorrentes. A sede do furo, a pressa para o recebimento de informações e a necessidade de furar concorrentes ainda são características que ilustram redações atuais, que estão à procura de matérias “exclusivas”.

Outro erro da época que continua a ser realizado é a replicação de notícias entre jornais. Geralmente, alguns veículos, mesmo sem conseguir fazer suas próprias checagens, replicam a matéria de outro jornal — alguns casos com crédito, outros não — o que pode auxiliar na disseminação de informações falsas, e como foi o caso na Escola Base.

A imprensa precisa aprender, também, a se contentar com informações e notícias que podem, no decorrer de apurações, não apresentar rendimento. E isso jamais será motivo de falha, mas sim de um trabalho capaz de diferenciar a verdade da mentira: a verificação.

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