Caso Marília Mendonça: ética vs. imediatismo

Caso chocou o público pela falta de ética e respeito com a imagem da vítima

Nicolli Kiko
singular&plural
3 min readMay 30, 2022

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Por Amanda de Oliveira, Leonardo Cavalcanti e Nicolli Kiko

Tero Vesalainen // Shutterstock
Tero Vesalainen // Shutterstock

No dia 5 de novembro de 2021 as redações do Brasil foram surpreendidas ao ter que noticiar a queda de um avião no qual estava a cantora sertaneja Marília Mendonça junto de seu produtor e assessor. De imediato, parte da assessoria de imprensa chegou a tranquilizar os fãs dizendo que Marilia estava bem. Minutos após o ocorrido, os bombeiros comunicaram o falecimento de todas as vítimas que estavam no avião.

Vale lembrar que a Globonews fez uma cobertura ao vivo do caso, inclusive foi mostrado nitidamente o momento em que Marília foi retirada (sem vida) do avião, logo depois entraram no avião para mostrar os pertences da cantora que ficaram dentro do meio de transporte.

Diante disso é importante relembrar o código de ética jornalística:

Art. 9° — É dever do jornalista:

– Divulgar todos os fatos que sejam de interesse público;

– Lutar pela liberdade de pensamento e expressão;

– Defender o livre exercício da profissão;

– Valorizar, honrar e dignificar a profissão;

– Opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem;

– Combater e denunciar todas as formas de corrupção, em especial quando exercida com o objetivo de controlar a informação;

– Respeitar o direito à privacidade do cidadão;

– Prestigiar as entidades representativas e democráticas da categoria.

A cada dia que passa a internet se torna o principal meio de comunicação do mundo pós-moderno. Saber e aprender diversas coisas ao mesmo tempo de forma rápida e remota é o que descreve o mundo atual; porém, assim como tudo, essa velocidade tem seu lado perverso.

Imediatismo (substantivo masculino): “tendência a agir em função do que oferece vantagem imediata, sem considerar as consequências futuras”.

O capitalismo, a globalização, o mundo fast em que vivemos são alguns fatores que resultam na razão central da existência do imediatismo jornalístico, o fato de que as notícias perderam suas essências de genuinamente informar e se tornaram meros produtos. Em outras eras pessoas morriam tentando transmitir informações (um exemplo disso é a Inconfidência Mineira, que nem saiu do papel, mas só pela informação da verdade estar escrita e planejada foi motivo de punições aos envolvidos). Hoje muitos ainda enxergam as notícias como uma maneira de mudar as coisas, mas muitos outros só enxergam como uma forma de lucrar. Lucrar em cima de catástrofes e sensacionalismos, lucrar em cima de nomes.

No mundo capitalista existe um verbo chamado patentear. Simplesmente quem cria algum produto ou ideia primeiro leva os créditos e o dinheiro pelos direitos autorais. No jornalismo “ganha” quem tiver o furo, a notícia — produto — em primeira mão, e assim retornamos à nossa reflexão sobre a amada cantora sertaneja.

Até que ponto o jornalista deve ir para ter o furo de reportagem? Onde fica a linha tênue entre “estou fazendo o meu trabalho” e “estou sendo antiético”? E o principal questionamento, a privacidade e o respeito com o corpo e a dignidade de um ser humano que acabou de falecer, onde fica tudo isso diante de câmeras mostrando de forma explícita a tragédia anunciada? A questão aqui é simples: assim como a notícia, tudo que a envolve é parte do produto. Se vai render audiência, é parte do produto. A vida das pessoas é o objeto que se torna um produto, e sendo assim nem no leito de morte pessoas tão queridas como a Marília têm a paz e o respeito que mereciam. Uma vez que é figura pública, a sociedade enxerga que a vida da pessoa é pública também, quando na verdade há uma diferença nisso e sabemos onde está essa distinção quando pensamos na ética versus o imediatismo. O imediatismo não tem limites, “que vença o melhor custe o que custar”, já a ética vai enxergar a humanidade e é essa a linha tênue, o limite, que faz divergir ambos valores.

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