Caso Miguel Otávio e a representação dos corpos no jornalismo
Uma reflexão do lugar da descrição e exposição das fontes nas matérias
Por Camila da Silva
Recife, 2 de junho de 2020. A morte do menino Miguel Otávio Santana, de 5 anos, após cair do nono andar do condomínio de luxo Píer Maurício de Nassau, chocou e abriu discussões sobre justiça, racismo e elitismo. Isso porque a criança estava sob tutela de Sari Corte Real, patroa de Mirtes Renata, mãe de Miguel.
Após Mirtes sair para passear com o cachorro de Sari, ela permitiu que a criança fosse sozinha procurar a mãe. Sari chegou a responder um processo em liberdade, depois de pagar uma fiança de R$ 20 mil. Até o momento o caso segue em julgamento.
Mas nem sempre todos os nomes envolvidos foram expostos. Nesta matéria do G1, por exemplo, o nome da patroa e o da mãe de Miguel não aparecem. Mirtes é descrita pela profissão de empregada doméstica, enquanto a empregadora não é citada em nenhum momento. A matéria se estende com a explicação do perito, que descreve o que foi encontrado nos vestígios e alega um acidente.
Nos primeiros meses, a polícia também não divulgou o nome da empregadora. Sari Corte Real é a primeira-dama da cidade de Tamandaré, casada com o prefeito Sérgio Hacker. A classificação das fontes no jornalismo faz parte de um processo importante para quem lê, para entender o contexto do acontecimento e o porquê aquela pessoa está sendo ouvida, sua relevância ali.
Também ponderado na estrutura padrão noticiosa, o lead, que contém as informações cruciais para relatar o fato: o que, quem, onde, como e porquê. O nome de Sari só foi exposto com a repercussão do caso nas redes sociais e com a denúncia de Mirtes Renata.
Esse é um dos casos que levanta uma das críticas ao jornalismo que relata violência: porque expor o rosto da vítima e não o/a do réu? O primeiro descumpre uma das condutas do Código de Ética da profissão, que diz que é direito do jornalista resguardar o sigilo da fonte. O segundo protege os suspeitos.
Nessa discussão, o que e a quem dar destaque ou excluir, também esbarra no direito à informação completa e verificada. Pode ainda distorcer ou dar margens a ambiguidade dos casos. Ou seja, ao ler uma matéria, os nomes aparentes e omitidos não são por acaso. Atente-se.