Cuidado! Esta pode ser uma fake news

Juliana Martinelli
singular&plural
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4 min readMar 27, 2018

Sites de notícias falsas podem render até R$ 150 mil por mês em anúncios e interferem diretamente no cenário político do Brasil

Por Erika Paixão e Juliana Martinelli

E m 2016 o termo “pós-verdade” (post-truth) ganhou o título de palavra do ano segundo o Dicionário Oxford. Tal alcunha não foi ao acaso: naquele ano, as eleições presidenciais nos Estados Unidos e a saída do Reino Unido da União Europeia (conhecida como Brexit) impulsionaram fortemente o maquinário de produção de notícias falsas na internet (as famosas fake news).

Ainda que pareça algo novo, não é de hoje que o tecido social é abalado com fatos mentirosos. Se pensarmos em episódios brasileiros de boataria nas redes, encontramos a história da dona de casa que foi espancada até a morte em 2014, no Guarujá, litoral de São Paulo. Segundo informações que circulavam em grupos locais, a mulher de 33 anos foi acusada de sequestrar crianças para praticar rituais de bruxaria. Além deste, podemos pensar também sobre os desdobramentos da execução da vereadora carioca Marielle Franco, em 14 de março de 2018. Poucos dias após sua morte, começaram a pipocar dados mentirosos em mídias sociais sobre o que teria motivado seu assassinato, sobre sua participação na política do Rio de Janeiro e falso envolvimento da vereadora com facções traficantes.

Essas histórias exemplificam situações extremas do que as fake news podem causar e o que mais surpreende é como esse negócio pode ser lucrativo e intencional. Segundo o artigo de Sérgio Branco publicado na Revista Interesse Nacional, existem sites especializados no compartilhamento de informações falsas que propositalmente buscam ludibriar os leitores com manchetes e textos tendenciosos, e que fazem isso porque dá dinheiro: de acordo com apuração da Folha de São Paulo, os anúncios nesse tipo de site podem render de R$ 100 a R$ 150 mil reais por mês, dos quais quase a metade ficam com o dono dos portais.

Voltando ao caso da vereadora Marielle, quem assina um dos textos mais compartilhados na campanha difamatória contra ela após sua morte é Carlos Augusto de Moraes Afonso, sócio de dirigentes do MBL e responsável portal Ceticismo Político. Segundo ele próprio, o site movimenta dinheiro e é usado como “método para a guerra política”. Claramente, sua intenção é desinformar para causar conflitos e polarizar ainda mais a dinâmica política no Brasil. Percebe-se então, que na discussão online, pouco importa o que é verdade ou não. E neste sentido, os desafios que são colocados aos jornalistas ganham outras nuances e se tornam mais complexos, pois além de garantir a veracidade dos fatos, temos a incumbencia de ampliar o alcance de uma notícia verificada para que ela chegue a mais pessoas do que a notícia falsa.

Não existe solução fácil para esse problema, mas algumas iniciativas apontam caminhos satisfatórios: sites de checagem de fatos (fact-checking), por exemplo, são indispensáveis na luta contra a desinformação. Portais brasileiros como o Aos Fatos, a Agência Lupa e o Boatos realizam esse trabalho de verificação, colaborando com a criação de uma rede de informações apuradas. Neste momento, é importante que o jornalismo não esqueça do seu compromisso com a qualidade das notícias, pois sem isso cada vez mais os veículos de mídia tradicionais perdem sua credibilidade e maiores são as chances que canais de fake news tem de conquistar audiência.

Com esses erros jornalísticos cada vez mais frequentes, decorrentes da falta de checagem, é que precisamos pensar também na “alfabetização digital”. Pressupõe-se que os iletrados eletrônicos são aqueles que consomem as informações na internet sem questionar e sem checar a procedência do que está lendo, assistindo ou ouvindo. Assim, o alfabetizado seria aquele que sabe pesquisar, conferir, duvidar do que está vendo, lendo ou ouvindo e utilizar as ferramentas necessárias para checar em meios confiáveis se a informação procede ou está equivocada.

Mesmo nos considerando letrados eletrônicos, ainda podemos cair em várias fake news que são propagadas nos meios de comunicação confiáveis. Na internet, o ditado popular “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”, faz completo sentido. No dia a dia, mesmo os profissionais mais dedicados tem pouco tempo para fazer a apuração dos fatos e acabam replicando alguma mentira que tiraram de uma fonte que também é confiável, mas que também não teve tempo de checar. Nesta bola de neve, a mentira acaba se travestindo de verdade.

Além disso, as notícias falsas passaram a ser banalizadas, tanto pela imprensa quanto pelo público. Na mídia, as erratas são cada vez mais frequentes e completamente negligenciadas, tendo pouco espaço em veículos impressos e sendo apresentadas nos últimos segundos de um jornal televisivo. Já, a população, tende a fechar os olhos para essas correções se elas não beneficiarem seus pontos de vista. Esse ambiente, então, se torna cada vez mais propício para que as fake news ganhem força no nosso cotidiano.

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