De 93 a 2021: a importância de “dar nome”

Uma análise comparativa dos adjetivos utilizados nas manchetes do Jornal Nacional ao noticiar as três maiores chacinas no Rio de Janeiro

Nara Faria
singular&plural
2 min readJun 6, 2021

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Foto de Ben Dumond/Unplash

Por Giulia Freitas, Henrique Cesar e Nara Faria

“Nova chacina abala o Rio” anuncia Sérgio Chapelin no dia 30 de agosto de 1993. “Os matadores entraram na favela pouco depois da meia noite”, seguiu dizendo o repórter sobre ocorrido na favela de Vigário Geral. Primeiro de abril de 2005, Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. Na bancada do Jornal Nacional, a jornalista Fátima Bernardes noticia “Chega a 30 o número de mortos na maior chacina registrada no estado do Rio” e continua: “A barbárie aconteceu em dois municípios da Baixada Fluminense”. Por mais que esse tipo de manchete seja recorrente nos jornais, é incomum a utilização de adjetivos tão fortes quanto as palavras “barbárie” e “matadores” utilizadas pelos jornalistas naqueles anos.

Cerca de 20 anos depois, no dia seis de maio de 2021, o Jornal Nacional anuncia “Operação policial com 25 mortes no Jacarezinho”, a mais violenta da história do Rio de Janeiro. A reportagem ainda cita que, entre os mortos, estavam 24 criminosos e um policial civil, segundo a polícia. Dessa vez, não escutamos proferir palavras como “barbárie” ou “matadores”.

Desde o título, já é possível comparar as coberturas das três chacinas. Enquanto Fátima e Sergio utilizaram adjetivos apropriados e cabíveis para as situações, a notícia mais recente do G1 “esquece” de apontar a operação policial como ilegal e coloca uma conotação completamente diferente ao se referir às pessoas assassinadas como “suspeitos mortos”.

De acordo com um levantamento feito pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), da Universidade Federal Fluminense (UFF), oito em cada dez operações policiais no Grande Rio resultam em morte. Um cenário tão comum e violento no cotidiano brasileiro não deveria ser noticiado com naturalidade e termos que, de certa forma, retiram um pouco do peso do acontecimento.

Pensando que o jornalismo é uma construção da realidade, é seu dever tratar esse tipo de episódio com a seriedade e perspectiva necessárias, utilizando os termos corretos e apontando a falha da polícia do Rio de Janeiro. Invadir uma comunidade em um período em que ações policiais estão proibidas pelo Supremo Tribunal Federal é ilegal.

Apresentar narrativas mais próximas das periferias não deve ser papel exclusivo de uma mídia especializada, como o jornalismo periférico. É uma responsabilidade coletiva da profissão dar espaço e voz para essas pessoas, e principalmente ter a determinação e dignidade de ser mais incisivo e certeiro na utilização das expressões apropriadas. É preciso “dar nome”, à medida que for cabível e, principalmente, necessário.

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