De oposição a situação: o que há por trás do discurso do MBL

Não é preciso voltar muito no tempo para ver que o movimento é o símbolo do oportunismo político

Juão Rodriguez Kyntyno
singular&plural
9 min readDec 9, 2018

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Por João Rodriguez

Um dos principais canais de informação do público conservador brasileiro, o Movimento Brasil Livre (MBL) nasce quando 5 jovens decidiram fundar uma oposição ao PT em 2014, após a reeleição de Dilma Rousseff.

A priori, o MBL se dizia apartidário, tinha compromisso apenas na luta contra a corrupção e a crise institucional que se estabeleceu com o início da Lava Jato, em 2013, com retóricas baseadas no antipetismo e que dialogavam bem com seu público raivoso.

Kim Kataguiri, eleito deputado estadual com 460 mil votos pelo DEM

Os cinco (Kim Kataguiri, Frederico Rauh, Alexandre Santos, Gabriel Calamari e Renan Santos) pretendiam estabelecer uma nova linguagem para a direita, desde a sua forma online até o conteúdo, defendiam que a esquerda petista havia se apropriado da cultura brasileira.

Nesta análise compreendemos a

Comunicação definida como significação oposta ao pólo da transmissão, isto é como compartilhamento, como cultura. Busca-se a compreensão das representações e práticas culturais que expressam os valores e significados construídos na relação entre a mídia e as demais instituições da sociedade urbana contemporânea (DE LIMA, 2001)

Parte da teoria cultural que é incorporada pelo MBL tem valor liberal, mas a partir de 2016 o conservadorismo toma conta de sua retórica, sua base vem dos textos publicados pelo seu maior expoente no Brasil neste século: Olavo de Carvalho.

Uma leve desconstrução de Olavo de Carvalho

O projeto do MBL era de que os brasileiros deveriam buscar a educação a partir da livre iniciativa, pelo empreendedorismo e os pilares neoliberais de Friedman que marcou a política econômica ocidental a partir da década de 80, paralela à paranoia do comunismo, o MBL tentava abraçar o seu público desde os mais libertários até os mais conservadores, e achou a fórmula ideal de fazer isso na base da agressividade e na criminalização do PT.

O ano virou e junto com ele Dilma enfrentou o auge do seu desgaste político. O MBL escalou na montanha da oposição com a mentalidade jovem e inovadora que trazia para a nova roupagem do liberalismo brasileiro, era muito comum ver o compartilhamento de seus posts em suas páginas nas redes sociais e vídeos que dialogavam com a sociedade raivosa e antipetista. Vale lembrar que naquela época todo dia o Jornal Nacional noticiava novas delações da Lava Jato. Nomes como o youtuber Arthur “Mamãe Falei” e Fernando Holiday foram se tornando conhecidos conforme os protestos do MBL ganhavam apoio.

Quem acompanhou de perto os protestos sabe que a radicalização foi tomando conta do imaginário brasileiro, era comum ver cartazes mais ácidos que ofendiam a classe política ou pediam intervenção militar. Nos protestos do MBL, o Pixuleco (boneco inflável) virou símbolo ao lado de patos, empresários e até políticos da oposição petista, que logo seriam investigados. Quando perguntados sobre o financiamento dos protestos, o Movimento respondia alegando que conseguia verba vendendo os seus produtos ou por doações, as quais nunca foram especificadas.

A mudança na retórica anti-corrupção

Nessa foto, Kim Kataguiri posa ao lado de tucanos e políticos controversos como Alberto Fraga (PR) e Eduardo Cunha (MDB), pouco tempo depois o emedebista foi preso acusado de lavagem de dinheiro, Fraga está preso por cobrar propina.

Após a queda de Dilma, o MBL viveu um momento de ecstasy e mudança de retórica, Michel Temer era o símbolo da agenda econômica tão defendida pelo grupo, e não atoa, apesar de duas denúncias contra o presidente, o movimento se restringiu a continuar apoiando a Lava Jato, sem criticar Temer com a mesma energia que havia contra o PT.

No mesmo ano, outro paradigma do movimento caiu. Com a eleição de Fernando Holiday a vereador de SP (e posteriormente a eleição em 2018 de Kim a deputado federal e “Mamãe Falei” a deputado estadual, todos pelo DEM), o movimento deixou de ter o slogan apolítico do qual tanto se orgulhava.

A virada na retórica do MBL desagradou parte de seus seguidores, mas não a maioria, o movimento continuou com o ativismo, e precisava de uma nova estratégia para trazer cliques, é aí que entram as Fake News.

A associação com o site Ceticismo Político foi um dos fatores que contribuiu para essa fama de desinformador, era muito comum ver as páginas trocando compartilhamentos, a maioria com acusações e suposições sem provas contra políticos ou movimentos de esquerda. A estratégia de caluniar a oposição alimentava o ódio do brasileiro, os fatos não eram mais levados em consideração, e sim convicções políticas pré-estabelecidas. Pós-fato puro.

MBL X Fact-Checking

A briga com os fatos fez o MBL declarar guerra ao Fact-Checking. As agências especializadas nesse tipo de jornalismo possuem o compromisso de checar informações de políticos e movimentos, a fim de combater a expansão de Fake News.

Em 2017 o MBL fez um vídeo falando sobre o regime semi-aberto, foi então que a Agência Truco enviou algumas perguntas ao MBL, questionando algumas informações passadas em seu vídeo. O movimento respondeu a jornalista responsável pela checagem com acusações de censura e uma foto de um pênis de borracha com a mensagem “cheque isto”, além é claro de um vídeo com acusações aleatórias sobre o envolvimento da Agência (reconhecida internacionalmente) e do próprio Fact-Checking com a esquerda.

A Guerra Fria do MBL

Os ataques que começaram vitimando o PT logo se expandiram para a esquerda, em uma generalização apressada de uma corrente ideológica que compreende muito mais do que apenas um pensamento binário. Entre algumas pérolas, a chamada “Maior parte dos 8 mais ricos do mundo é de esquerda. Nenhum é de direita” dá dimensão do nível de perseguição. A estratégia olavista do MBL é atacar antes de ser atacado, se valendo de falácias e do descongelamento de uma Guerra Fria para criar um inimigo em comum e um sentimento de pertencimento com os antipetistas.

Marielle

Marielle Franco (PSOL), vereadora assassinada em março de 2018 foi vítima de uma campanha de difamação que envolveu o MBL e o Ceticismo político também.

Tudo começa quando o Deputado Federal Alberto Fraga (PR), ex-PM que hoje está preso acusado de cobrar propina em contratos de transporte no DF, acusa Marielle de envolvimento com o Comando Vermelho, o tweet viralizou e não demorou para que o ódio ao PSOL e a movimentos sociais bloqueasse qualquer senso crítico. Uma desembargadora carioca publicou em sua conta no Facebook a mesma versão, sem nenhuma prova, contra Marielle, e em um movimento característico de viés de confirmação, o MBL publicou “Desembargadora quebra narrativa do PSOL e diz que Marielle se envolvia com bandidos e é ‘cadáver comum’”.

A perseguição a Zavascki

A polêmica com Teori Zavascki, ex-ministro do STF que morreu no início de 2017 vítima de um acidente aéreo, foi um episódio da falta de autocrítica do movimento. Quando era o relator da Lava Jato no Supremo, Zavascki era pressionado pelo MBL a aceitar que a gravação de Lula com Dilma caísse nas mãos de Moro, no entanto o magistrado argumentou que por se tratar de uma gravação com a presidente, as provas deveriam ir para o Supremo. A resposta do MBL chegou a contar com um Pixuleco de Teori em ‘homenagem’.

O MBL também foi responsável por ter divulgado os contatos telefônicos e email de Zavascki no Twitter. Depois da morte do relator que foi importantíssimo na prisão e afastamento de diversos políticos e empresários, seu filho saiu a público falando das ameaças que sua família havia recebido, e como se nada tivesse acontecido o MBL fez uma série de homenagens ao ex-ministro em sua página, ignorando o passado de perseguidor do magistrado.

Queermuseu: A homofobia do MBL toma forma

Em 2017, o MBL ganhou destaque em tabloides pelo país depois de tomar a dianteira no boicote ao banco Santander. Na ocasião, os protestos eram uma retaliação pelo patrocínio da exposição de arte Queermuseu no Santander Cultural, em Porto Alegre, que tinha como objetivo expor obras que contestassem a cultura héteronormativa e o debate razo sobre sexualidade na infância. O boicote e a campanha do MBL acusavam os artistas de incitar a zoofilia e a pedofilia e fez a exposição fechar. Mais tarde o MASP trouxe parte das obras para o público, mas foi obrigado a colocar a censura para maiores de 18 anos. O caráter ultra-conservador que permeia o liberalismo do MBL é exclusivamente homofóbico, não entender a arte e muito menos o caráter crítico e de denúncia que as obras do Queermuseu traziam. Parte delas nem chegaram a ser vistas, apenas 4 ou 5 obras viralizaram fora de contexto em grupos de Whatsapp.

O resultado de tanta mentira

Antes do começo das eleições de 2018, o Facebook fez um processo de deletar contas suspeitas de divulgar informações mentirosas e sem fontes, associadas a uma rede ampla e complexa de Fake News. No total, 196 páginas e 87 contas foram deletadas do site. O MBL reivindicou ser uma das vítimas dessa limpeza, acusando o Facebook de censura e automaticamente se entregando como pertencente a um amplo esquema de mentiras online.

O MBL: do idealismo a um combatente dos fatos

Não serei ingênuo de descartar o trabalho vanguardista de oposição ao PT e apoio à Lava Jato que o MBL fez. A minha principal crítica ao movimento é o seu posicionamento ambíguo: hora apolítico, hora com integrantes eleitos; hora contra a corrupção, hora aliado de tucanos, emedebistas e DEM; hora comprometido com o liberalismo econômico democrático, hora o porta-voz do conservadorismo e de mentiras.

Criticar os erros do movimento não é esquecer da importância que ele teve na oposição e construção de uma cultura de pensamento político necessário para a população, ainda que este permaneça muito rudimentar.

Ainda assim, em todos os casos de fake news ou ataques desproporcionais promovidos pelo movimento, nunca houve um vídeo de autocrítica, uma nota de desculpas ou algo do tipo. Até mesmo no caso Marielle, Kim jogou a culpa na desembargadora.

Além de não assumir os erros, fator crucial para garantir confiabilidade de qualquer portal de informação, o MBL se diz um veículo alternativo de informação se baseando na falácia de que a esquerda consume tudo no Brasil, inclusive os fatos.

Essa falsa simetria joga ainda mais o público contra jornalistas, além de usar o pretexto liberal da liberdade de expressão para ter direito de espalhar boato. O movimento acaba não tendo limites, é autorizado a divulgar mentiras como bem entender e incentiva-las,

O resultado é um desserviço ao debate político, as pessoas ficam cegas pela raiva, enxergam apenas um lado e se apegam a falácias e argumentos prontos. O MBL é hoje o principal catalizador desses discursos rasos e da ideia de que opinião é argumento e argumento são pessoas,

Isso é complicado. Bem complicado…

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Juão Rodriguez Kyntyno
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educomunicação / não-binariedade / adiar o fim dos mundo