De que lado eles estão?

Álvaro Nabuco
singular&plural
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4 min readMar 27, 2018

A mídia troca seu alinhamento a seu favor no meio da maior crise política do país

Por Álvaro Nabuco

O Brasil vive sua maior crise política e moral de sua história. Tendo início com a eleição acirrada entre Dilma Rousseff e Aécio Neves em 2014, e provavelmente com a aproximação do brasileiro com a política após o trágico 7x1, o país passa por uma turbulência sem precedentes. Cada caso, porém, foi tratado de maneira diferente dependendo de quem se tratava.

Na época pós-2014, quem era a favor de Dilma era visto com hostilidade. Quem a defendia chegava a ser agredido, tanto verbalmente quanto fisicamente. Estavam do lado errado da história. O prédio da Fiesp, na Avenida Paulista, era a casa do famoso pato com o slogan “não vou pagar o pato”. Cartazes com os nomes e rostos de deputados que votariam contra o impeachment de Dilma eram expostos com os dizeres “nunca mais votem neles”, enquanto outros cartazes incentivaram o público a “pressionar os indecisos”. Não havia meio termo. Ou você estava com eles, ou você estava contra eles.

A Folha de S. Paulo publicava, diariamente, uma matéria na capa com uma caixa escrita “Brasil em crise”. A revista semanal IstoÉ lançava semanalmente em letras garrafais uma manchete afirmando um crime da presidenta Dilma. Praticamente não se falava sobre outra coisa. Foi neste momento que os infames “panelaços” vieram à tona. Propagandas, veículos e movimentos convocavam o povo a bater panelas, buzinar e fazer barulho quando Dilma ou o PT pronunciava na televisão. A presidenta tinha 93% de reprovação.

Neste momento, Eduardo Cunha, o então presidente da câmara dos deputados, era um aliado chave para a queda de Dilma. Mesmo sendo citados diversas vezes na Operação Lava Jato, os veículos davam voz a ele, blindando-o de qualquer acusação. Durante uma das manifestações, um cartaz foi erguido com os dizeres “somos milhões de Cunha”.

Dilma sofreu o seu impeachment, que muitos afirmam ser um golpe de Estado, já que não havia provas concretas de crimes cometidos. Após ser aprovado na câmara dos deputados, a Veja lança uma edição especial comemorando tal feito. Na edição seguinte, a revista da Editora Abril publica uma matéria chamada “Fera, odiado e do mal”, fazendo referência à polêmica matéria que eles mesmos publicaram chamada “Bela, recatada e do lar”, fazendo uma campanha positiva sobre Marcela, a mulher 40 anos mais nova de Michel Temer.

Quando Cunha cumpriu seu dever, os que ajudavam e blindavam o deputado apunhalaram seu salvador nas costas. De uma hora para outra, Cunha passou de aliado para inimigo. Eventualmente, o escândalo resultou na renúncia, na perda do mandato e na prisão do ex-presidente da câmara. Qual era a intenção da mídia? Usar Cunha e descartá-lo? Agradar o outro lado? Onde estavam os “milhões de Cunha”?

Um ano se passa. O governo de Temer apresentou melhorias na economia, mas não foi o suficiente para gerar uma estabilidade. Quando tudo parecia tranquilo, a Polícia Federal começa a Operação Carne Fraca, anunciando como “a maior de sua história”. “Slogan” esse que foi usado anteriormente na Lava Jato.

A bomba da operação explode no colo do vice-presidente Michel Temer. A famosa música do plantão da Globo toca, interrompendo sua programação para flagrar, em rede nacional, Temer e outros políticos, em especial Aécio Neves, em um áudio que o envolvia em um esquema de corrupção. A mídia perguntava qual seria o futuro do interino, sem explicitar qual a posição sobre o assunto.

Apesar de uma prova ser veiculada em todos os jornais e meios de notícia, nenhum “panelaço” foi convocado, nenhuma manifestação foi marcada e quase nenhuma editora se posicionava sobre o assunto. Movimentos de rua, tais como o MBL, que foi vital para virar a opinião pública contra Dilma, não se manifestou sobre o assunto. Com 97% de reprovação, e sendo o presidente mais impopular do mundo (fato este que não foi amplamente publicado nem comentando), Temer manteve o seu tão querido trono.

Esta crise, que está longe de acabar, expôs falhas, fraquezas e brechas na nossa democracia. Também foi levantada diversas questões: o jornalismo é uma ferramenta para a sociedade. Mas ela está cumprindo com seu dever e exercendo esta função? Por que Temer, que foi flagrado em horário nobre, não foi perseguido pelos veículos e pelos “justiceiros” da internet? Como um político absurdamente impopular se mantém?

De que lado eles estão? uma coisa é certa: nenhum deles está do lado do povo. A tarefa difícil é a própria população se der conta disso. Quando uma ferramenta da sociedade volta-se contra ela mesma, o que fazer? Para onde correr, para quem recorrer? Enquanto esta dúvida permanecer, a maior crise que o Brasil sofreu não acabará. E aparentemente ninguém está disposto a respondê-la.

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Álvaro Nabuco
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Eu queria muito interpretar o Homem Aranha, ser cantor, ator de filme de comédia e game designer, mas por falta de opção, faço jornalismo