Dossiê Alexandre Garcia: de jornalista consagrado a “influencer bolsonarista”

Grande voz da extrema-direita, Garcia contribui de forma irresponsável para a fortificação de uma realidade negacionista e desinformada

Edward Pepe
singular&plural
3 min readJun 13, 2021

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Por Edward Pepe e Júlia Silva

Alexandre Garcia durante um dos comentários no quadro “Liberdade de Opinião”, na CNN Brasil. Foto: Reprodução — CNN Brasil

De acordo com um levantamento feito pelo programador Guilherme Felitti, divulgado em sua conta no Twitter, o jornalista Alexandre Garcia — ex-Globo e hoje comentarista na CNN Brasil — apagou e/ou tornou privados mais de 500 vídeos da sua conta no YouTube. Entre os principais conteúdos divulgados por ele estão elogios ao presidente Jair Bolsonaro, defesa do tratamento precoce contra a covid-19 com uso de medicamentos sem eficácia comprovada, como hidroxicloroquina e ivermectina, e também críticas ao STF.

Alexandre se desligou da Rede Globo em 2018, mesmo ano da vitória do presidente na eleição presidencial. Naquele momento, era considerado um dos jornalistas de mais destaque no país. Com discurso alinhado ao Governo Federal, ele é hoje um dos principais influenciadores da extrema-direita. Recentemente, se envolveu em diversas polêmicas, acusado, principalmente, de propagar desinformação, conduta que vai de encontro à responsabilidade coletiva do jornalismo frente à maior crise sanitária enfrentada nos últimos anos. No dia 27 de julho de 2020, durante o quadro “Liberdade de Opinião”, que participa como comentarista na CNN, Garcia disse que o presidente Bolsonaro seria a “comprovação científica da eficácia da cloroquina”. Naquele momento, a própria Organização Mundial da Saúde já havia informado que o medicamento era ineficaz contra a covid-19.

É notório como todo o cenário em que Garcia se posiciona, mesmo à distância, traz um tom de respeito e credibilidade ao jornalista. Por fazer parte do grupo de risco, Alexandre participa remotamente do programa e utiliza de artifícios que contribuem para passar uma imagem que transmite confiabilidade, credibilidade e seriedade, recursos também demandados pelo canal com tamanho e de linha editorial como a CNN Brasil. Em uma sala cheia de livros, sempre vestido em blazeres, camisas e óculos retos, Alexandre conta com artimanhas do jornalismo tradicional e da semiótica — atrelados à sua consagrada carreira — para ajudar a fortalecer uma realidade totalmente distorcida e amplamente propagada pelo presidente Jair Bolsonaro.

No início deste mês, no mesmo quadro, e mais uma vez indo contra a responsabilidade jornalística frente à gravidade do momento que vivemos, o comentarista articulou de maneira exaltada e utilizou falas como “Vejam só como está esse país, em que é um decreto que ameaça fazer cumprir a Constituição”. Com uma fala concisa e que demonstra conhecimento sobre o assunto em questão, Alexandre usa termos que demonstram conhecimento sobre questões jurídicas e da Constituição, para fortalecer um discurso do Planalto contra o distanciamento social, de maneira totalmente irresponsável.

Além disso, o jornalista ainda se vale de um discurso não verbal, movimentando as mãos em gestos exagerados e que demonstram certa irritação. Outro aspecto possível de notar é que Alexandre, durante sua fala, em alguns momentos, ri de forma singela. As risadas transparecem mais uma vez sua não concordância com o questionamento feito pelo âncora e até certo deboche. Ao ser confrontado pelo mediador Rafael Colombo, que perguntou se governadores e prefeitos estavam tentando garantir o direito à vida, Garcia ficou mais de dez segundos em silêncio, respirou fundo e se moveu de maneira visivelmente incomodada e respondeu: “Eu estou sendo entrevistado… Não sei se a gente volta”.

Confira o trecho da “saia-justa” entre o apresentador Rafael Colombo e Alexandre Garcia a partir do minuto 2:25. Vídeo: Blog do Anderson

Por fim, é evidente a irresponsabilidade jornalística adotada por Alexandre Garcia, que ignora as principais questões éticas da profissão para assumir um papel de “influencer bolsonarista”. Garcia reforça um discurso que contribui para a construção de uma realidade negacionista, anticiência e sem fundamento. Ao invés de informar, desinforma, como se vivesse em um universo paralelo e, assim, se torna mais um na lista de responsáveis pelas quase 440 mil mortes por covid-19 no Brasil.

N.E.: Antes de trabalhar na Rede Globo, Alexandre Garcia foi porta-voz do presidente João Figueiredo, último governo da Ditadura Militar.

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