E o jornalista, faz o quê?

Luiza Lorenzetti
singular&plural
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4 min readNov 22, 2018

Por Deisi Gois, Luiza Lorenzetti e Rafaela Frigério

A vereadora Marielle Franco em manifestação no Rio, 2016 (Foto: Midia Ninja para Wikimedia Foundation)

Oito meses após o assassinato da vereadora e ativista Marielle Franco, o juiz da 4ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, Gustavo Gomes Kalil, proibiu por decisão judicial a veiculação do andamento do inquérito pela Rede Globo.

A restrição à divulgação de novas informações acerca da execução da vereadora, morta em março deste ano no Rio de Janeiro, abre espaço para uma discussão inerente ao discurso jornalístico e à função do profissional da informação.

Se, tradicionalmente, o jornalismo ocupa o espaço do quarto poder e desempenha o papel de verificar e analisar o domínio público e sua relação porosa com o poder privado, perderia-se, nesse momento (ou, ao menos, em uma recente demonstração), sua autonomia em investigar e revelar à sociedade um conhecimento crítico acerca de importantes eventos da atualidade.

No entanto, ao longo de sua história, a mídia reconhece sua inegável influência em casos polêmicos como o da Escola Base e no sequestro de Eloá. Em ambos, a repercussão midiática sobre os casos interferiu negativamente no andamento das apurações e resoluções do conflito. O jornalismo passou a ocupar um papel que, certamente, não lhe cabe: no primeiro, agiu como juiz, júri e executor; no segundo, o tropeço levou a um abismo ético.

Dentro das redações, os parâmetros do mediador são turvas e dependem da carta de cada editoria e veículo. Nesse trampolim incerto, a mídia acaba por se tornar protagonista de uma história que não lhe pertence. Porém, a decisão de impedir a divulgação das atualizações do inquérito que investiga a morte de Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes parece uma clara tentativa de silenciamento.

A justificativa do juiz é de que a divulgação de informações sobre o caso podem ser prejudiciais às investigações em andamento, além de revelar dados pessoais dos indivíduos envolvidos no caso. Contudo, a cada mês sem respostas, a pergunta retorna: quem matou Marielle e Anderson?

Marielle era uma mulher negra, “cria da Maré”. Contra as possibilidades mais óbvias, foi eleita vereadora no estado do Rio de Janeiro pelo PSOL com uma quantidade significativa de votos — foi a quinta mais votada da cidade. Sua trajetória foi marcada pela luta pelos direitos humanos e contra as ações violentas de abuso de poder dentro das favelas.

Em 14 de março de 2018, às 21h, Marielle deixou um evento no coletivo Casa das Pretas, na Lapa. Às 21h30, foi brutalmente alvejada ao lado de seu motorista, Anderson. Uma carreira de vereadora ativista; quatro tiros de submetralhadora; dúvidas, dúvidas e nenhuma resposta.

Oito meses depois, não se chegou a nenhum esclarecimento oficial. Porém, faz-se necessário apontar a gravidade do assassinato de uma representante do poder público abertamente contra a violência policial nas favelas e contra o extermínio da população negra. O assassinato de Marielle representa um atentado não só a sua vida, mas também às instituições democráticas.

A mídia deve agir como guardiã do estado democrático e denunciar qualquer ação que possa ameaçá-lo. Pudemos analisar com as eleições presidenciais deste ano muitos fatores a respeito da nossa mídia. Vimos como a população está desacreditada dos meios tradicionais de comunicação e preferiu se informar através de outras maneiras, como o whatsapp.

Mas não podemos deixar de lado a quantidade de brasileiros que ainda assiste religiosamente aos jornais da emissora e em especial ao Jornal Nacional. Mesmo o jornal tendo sido alvo de críticas tanto da direita quanto da esquerda nestas eleições, sua audiência ainda é muito considerável. Visto isso, as informações que a emissora tinha acesso a respeito do assassinato não solucionado de Marielle e Anderson eram de grande interesse da população.

Em 1947, Adorno e Horkheimer em “Dialética do Esclarecimento” retrataram a indústria cultural como um sistema político e econômico que tem o propósito de produzir bens de cultura como estratégia de alienação e controle social.

Os iluministas viam a tecnologia como uma forma de tornar a sociedade mais livre e democrática. Em contrapartida, os pensadores da Escola de Frankfurt, que sentiram na pele o poder dos meios de comunicação como máquina de propaganda ao Nazismo, acreditavam que a indústria cultural exerce controle sobre a massa, tornando os cidadãos sem consciência de suas condições de desigualdade.

No dia 19 de março, o jornalista Glenn Greenwald escreveu para o Intercept uma belíssima análise de como a mídia abordou o caso logo no primeiro mês: Não deixe que a política radical de Marielle seja explorada ou apagada, como o Fantástico tentou fazer ontem à noite.

Glenn analisa os 45 minutos que o programa Fantástico dedicou sobre o assassinato. Ele elogia pontos do programa como a trajetória da ativista e as entrevistas com as viúvas das vítimas. O que o jornalista condena, no entanto, foi o fato de terem evitado falar sobre a carreira política da vereadora: “O Fantástico drenou a política de Marielle de sua vibração, seu radicalismo e sua força, e a converteu em um gibi simplista de clichês vazios que, na prática, não seriam questionados por ninguém.”

A gravidade do problema agora tomou outras proporções, um juiz não quer que a população seja informada sobre os fatos. Como retrata Glenn, desta vez o alvo não foi traficantes e criminosos comuns, que a mídia costuma adorar, “mas as forças utilizadas pelas elites do país para impor seus interesses e assegurar seus privilégios: seus exércitos, suas polícias, seu sistema político tradicionalmente masculino, branco e rico”.

Assim, fica claro compreender o motivo de querer privar a população de acompanhar as investigações. O medo de colocar o povo contra os interesses da elite, quando o que a elite quer é colocar o povo contra eles mesmos: contra negros e grupos minorizados e marginalizados. Agora as vítimas são o povo e os principais suspeitos são a elite.

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