Erramos: a rainha não morreu

Uma reflexão sobre ética na publicação de erratas a partir do deslize da Folha de S.Paulo

Pedro Gabriel Duarte
singular&plural
3 min readMay 30, 2022

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Por Melissa Marques e Pedro Duarte

No último 11 de abril, a Folha de S.Paulo, um dos maiores veículos de mídia do país, publicou em seu portal on-line um obituário da Rainha Elizabeth II, tendo como causa da morte “XXXXXXXX”. Rumo ao seu centenário, a monarca da Inglaterra estava (e permanece) viva. O fato ganhou repercussão na internet e também uma errata no mesmo site, com exatos 308 caracteres, que encerra dizendo: “A Folha lamenta o erro. O conteúdo foi retirado do ar”.

A falha da Folha, nos perdoem pelo trocadilho, virou piada na internet. Por ser estranho ao cotidiano, o erro por si só já marca alguns pontos na tabela dos critérios de noticiabilidade. Mas, acima disso, muitos acharam graça na série de letras X enfileiradas em caixa alta que compõe o lead da matéria no lugar de outras informações. “Que fofo a Folha não querer revelar com quantos anos a rainha morreu”, postou em seu Twitter o comediante Gregório Duvivier.

No Twitter, Duvivier ironiza obituário publicado por engano pela folha. (Reprodução/@gduvivier)

A Folha alega erro técnico como origem da gafe e, em nota, justifica ser “de praxe no jornalismo” a preparação de obituários prévios de pessoas públicas. A situação já suscita uma crítica. A elaboração desse tipo de conteúdo, para garantir a notícia pronta “na hora H”, se fundamenta na apuração prévia ou na corrida pelo furo de reportagem?

Poderíamos nos ater a esse ponto, mas há ainda outra discussão que se envolve nessa história. A Folha de S.Paulo é um dos poucos veículos brasileiros que possui o cargo de ombudsman, ocupado hoje por José Henrique Mariante. Dias depois do ocorrido, em sua coluna, o jornalista trouxe à baila essa derrapada, sua repercussão, e outros equívocos semelhantes ocorridos com Romeu Tuma e Pelé, por exemplo.

Mariante não poupa: classifica a escorregadela como “vexame” e mostra que a errata feita foi “o mínimo”. Quem lê o texto no site da Folha pode se impressionar com o tom taxativo, mas não deve se enganar. Errar ainda é humano. No rodapé da coluna, bem pequenininho, lê-se: “Erramos: o texto foi alterado. Romeu Tuma (1931–2010) nunca foi deputado. […] O texto foi corrigido”.

Procissão real em 1965, quando a rainha Elizabeth II tinha apenas 39 anos. (Foto: Annie Spratt/Unsplash)

A alteração foi feita três dias após a publicação do texto. Não teve a mesma repercussão que a notícia equivocada sobre a rainha, corrigida em menos de meia hora, mas vivencia o mesmo mal que delata: “No site, pronto é um apertar de botão, tornando cada vez mais sedutora a ideia de notícia feita em linha de montagem, eficiente na corrida por audiência até a próxima falha, técnica ou não. Mas jornalismo não é fábrica”, afirma a coluna do ombudsman.

Lívia de Souza Vieira, pesquisadora associada no ObjETHOS (Observatório da Ética Jornalística — UFSC), vai além. Para ela, a discussão sobre as erratas se encontra no campo da ética no jornalismo. “Os meios são suscetíveis a erros, mas a condição de velocidade inerente ao jornalismo online torna a discussão necessária, já que falhas que podem comprometer a qualidade do jornalismo, enquanto serviço social, geram transtornos de ordem ética”, escreve.

Estátua de cera da rainha Elizabeth II, exposta no Museu Madame Tussauds. (Foto: Mathew Browne/Unsplash)

Partindo desse cenário, é possível afirmar de forma contundente que o tratamento e o espaço dado para as erratas no jornalismo devem estar presentes no cotidiano de jornalistas e empresas do ramo, visando à manutenção da credibilidade do jornalismo como um todo.

Além disso, cada ator envolvido nessa seara deve individualmente prezar sempre por sua credibilidade, tendo em vista sua reponsabilidade ética enquanto comunicador. Ainda que possa ser difícil aos jornalistas, a confiança em nossa apuração não deve superar o dever de checar cada informação levantada uma, duas, muitas vezes.

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