Escola Base e a não-apuração de fatos primários

Isabella Lily
singular&plural
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3 min readMay 29, 2018

Como a falta do bê-a-ba jornalístico destruiu a vida de pessoas comuns

Por Isabella Lily e Laura Isern

Foto: Reprodução //

Um dos exemplos negativos mais marcantes dentro da história das coberturas, o caso Escola Base é hoje analisado em escolas de Jornalismo Brasil afora por sua enorme sucessão de erros. A cobertura do caso, que ganhou grande notoriedade através de boatos e depoimentos deturpados, empurrou para o abismo um negócio familiar, que abrigava cerca de 70 alunos no bairro da Aclimação em São Paulo.

A família de Maria Aparecida Shimada, dona do estabelecimento de ensino, viu suas vidas serem completamente transformadas após notícias afirmarem que ali as crianças eram abusadas dentro da van escolar, o que foi denominado pela imprensa como “escolinha do sexo”.

Em meados de 1994, após ter sido reformada com grande sacrifício pelas famílias Shimada e Alvarenga, a escolinha foi alvo de uma grave denúncia na 6ª Delegacia de Polícia, na zona sul de São Paulo. À partir do depoimento de duas crianças em seus 4 anos de idade, alunas da instituição, o caso começou a ser investigado. Através de mandado de busca e apreensão na casa dos funcionários acusados de aliciar os pequenos, foi constatado que não havia nenhuma prova concreta que os incriminasse. Revoltadas, as mães acionam a Rede Globo e dão o pontapé inicial a uma cobertura jornalística desastrosa.

Temendo perder o furo, um repórter da Rede Globo produziu a matéria, mesmo sem provas, e no mesmo dia, os quatro donos e envolvidos no caso foram chamados para depor, indiretamente. Negaram qualquer suposto envolvimento no crime e foram liberados. Porém, um pedido de corpo de delito foi feito nas crianças envolvidas e foi confirmada a prática de um crime libidinoso. Após essa confirmação, todos os tipos de especulações e falsas informações foram veiculadas pela mídia, desde acusações de estupro após drogarem as crianças até produção de filme pornográfico, passando por uma possível contaminação pelo vírus da AIDS.

Utilizando-se de sensacionalismo e abusando da inocência infantil,diversas crianças relacionadas ao ocorrido foram entrevistadas e o caso tomou um rumo totalmente abusivo, fazendo com que os investigados, que nem ao menos teriam sido interrogados formalmente, tivessem o sigilo de suas contas bancárias quebrado. Além disso, até mesmo a polícia errara na apuração do caso, uma vez que o advogado encarregado teria passado uma informação errada, acarretando em mais matérias irresponsáveis e carentes em apuração.

Só após uma declaração de um jornalista, que não estava ligado às coberturas do caso e que defendia que toda as matérias e notícias publicadas sobre o caso mostravam um lado só, é que todas as mídias procuraram a outra parte envolvida, descobrindo que o laudo médico, era, na verdade, incerto, podendo se tratar de outras coisas, comuns à crianças naquela idade. Aos poucos, os acusados foram inocentados, porém, suas vidas já estavam destruídas.

Os quatro sócios da escola, com problemas financeiros, devido à contratação de advogados, e emocionais- alguns não saiam mais de casa- sofreram de crise de pânico e grande medo do amanhã. Tudo por uma má apuração e sensacionalismo causados pela mídia. Após alguns anos, receberam indenizações por danos morais, pagas por alguns dos veículos responsáveis pela desgraça em suas vidas, mas a saúde mental e moral continuariam completamente destruídas. Por um erro e por força da mídia, os acusados se tornaram pessoas invisíveis e, pior: totalmente acuados perante a sociedade.

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