Falar que o presidente mente também é jornalismo

Jornalistas devem ter compromisso com a verdade e apontar a desinformação das autoridades

Elisa Maria Fontes
singular&plural
2 min readOct 9, 2021

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Por Elisa Fontes e Laura Donini

Bolsonaro discursa na ONU | Foto: Divulgação PR

No dia 21 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) discursou na 76º Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York. Na cobertura feita pelo UOL, o portal apresenta matérias noticiando o discurso com as partes mais importantes e as suítes com as reações. Ao noticiar, o UOL manteve uma postura crítica e jornalística ao apontar erros na fala do presidente e usar a palavra “mente” no título da matéria.

Na matéria é possível destacar como os trechos em que Bolsonaro fala de economia, voltando seu discurso aos investidores, são confrontados com a realidade da crise e dados fornecidos por instituições públicas. A reportagem também enfatiza que Bolsonaro apoiou inúmeras vezes o uso da cloroquina e outros medicamentos ineficazes contra a covid-19, como uma forma de tratamento precoce, ao falar em “insistir”. O uso desta e de outras palavras como “mentiu”, “omitiu”, “atacou” destacam uma imagem negativa do presidente. Somente em um parágrafo, a matéria cita o engajamento de apoiadores de Bolsonaro na transmissão do discurso.

Mesmo com o conteúdo político, os jornalistas se preocupam em mostrar o que é fato e o que é desinformação na fala de Bolsonaro. Ao fazer tais apontamentos, eles indicam a checagem das notícias de forma a não repercutir a mentira que foi dita. A responsabilidade dos jornalistas está em apurar os fatos e desmentir informações erradas.

Em comparação, a cobertura do portal R7 destaca uma fala, num tom positivo, sobre a vacinação e relata a agenda oficial de Bolsonaro em Nova York. A matéria apresenta o discurso oficial do presidente, sem apresentar as contradições dos dados e das informações faladas. Não há em nenhum momento a preocupação em fazer uma crítica às falas problemáticas de Bolsonaro. Na contramão da matéria do UOL, os jornalistas do R7 utilizam termos mais amenos e, até positivos, como “garante”, “defesa das políticas ambientais”, “embasar suas afirmações”. A cobertura se preocupa somente em noticiar o que foi dito, mesmo com a desinformação, colocando otimismo no título.

Nesse caso, manter a imparcialidade ou a neutralidade das palavras é reforçar as mentiras e fazer o anti-jornalismo. Principalmente por conta do discurso do presidente ir contra fatos que foram provados e afirmados por especialistas das áreas da saúde, da economia e do meio ambiente, o que só torna a situação mais caótica e apresenta uma imagem fictícia do país às outras nações e no cenário internacional. É importante que os jornais usem a palavra “mentira” quando for preciso, principalmente quando se trata da fala de autoridades, que repercutem e influenciam na sociedade. Diante da verdade e da mentira, não há “dois lados”.

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