“Gravidez” de risco do jornalismo

Os perigos da falta de checagem na credibilidade da comunicação

Camila da Silva
singular&plural
3 min readDec 2, 2021

--

Por Camila da Silva

A “grávida de Taubaté”, Maria Verônica, conhecida por forjar grávidas de quadrigêmeos em entrevista. Foto: Reprodução/SBT

Um nascimento é bom, mas neste caso a chamada “barrigada” do jornalismo dá à luz o pior dos acontecimentos. A “barrigada” é um termo do jornalês para definir erros graves que colocam em cheque o quanto as pessoas devem ou não acreditar nas informações passadas por nós, comunicadores.

Um exemplo fictício. Imagine que você recebe a notícia que um avião caiu e deixou 10 mortos. No mínimo, vários outros sites começam a divulgar, como por osmose (praticamente passiva), essa tragédia. Horas depois se descobre que a notícia era falsa, que a quantidade de mortos não é verídica. Você confiaria nesse portal? E nos que compartilharam a informação?

O princípio da checagem e veracidade é uma das pedras angulares do jornalismo. Essa é para muitos estudiosos a base para que sua atuação possa cumprir o papel de representar a realidade, como apresentaram Sílvia Lisboa e Marcia Benetti na SBPJor (Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo):

Um relato jornalístico se constrói a partir de estratégias discursivas que ajudam o leitor a atestar sua autenticidade ou verossimilhança com os fatos e o valor das explicações. Charaudeau (2010) cita quatro elementos frequentemente usados pelo jornalismo e que servem como guia confiável para a verdade: a autenticidade (atestado da existência dos seres no mundo, sem artifício, sem filtro), a designação (função predominante da imagem quando tem a pretensão de mostrar o mundo como ele é), a verossimilhança (reconstituição da existência possível a partir de sondagens, testemunhos de terceiros, investigação) e a explicação (apresentação dos motivos pelos quais as coisas são assim). (SILVA E BENETTI, 2015, p.13)

Neste ínterim, há muita mentira disfarçada de verdade. Na história do jornalismo, o marco é o caso “Boimate” (boi + tomate), a ideia de que cientistas alemães haviam criado uma fusão dos dois. A matéria foi publicada na revista Veja em 1983. No final das contas, era uma brincadeira da revista britânica New Scientist para comemorar o 1° de abril e a errata da Veja só veio um ano depois do ocorrido.

Outro caso marcante foi o da “grávida de Taubaté”. Pedagoga que viralizou após uma reportagem sobre seus quadrigêmeos em 2012, veiculado pelo Hoje em Dia da RecordTV. O ocorrido posteriormente virou meme na internet. A mentira deixou o viés de preocupação com a realidade da informação e ganhou ares de humor.

Foto: Reprodução/Instagram

No entanto, nem todas as notícias falsas terminam em risadas. A falsidade já custou vidas. Em 2014, em Guarujá, interior de São Paulo, Fabiane Maria de Jesus foi linchada ao ser confundida com uma mulher que estaria “raptando crianças para fazer magia negra”.

Além dos casos factuais, vemos o mesmo acontecer em editoriais — o setor de opinião do alto escalão e que representa o pensamento do jornal. Neste caso, o do Estadão. O advogado Thiago de Souza Amparo, também professor da FGV Direito SP e da FGV Relações Internacionais, apontou as mentiras nos argumentos usados no texto.

O exemplo comprova o que o psicanalista Christian Dunker expõe em seu artigo sobre “Subjetividade em tempos de pós-verdade”, que a pós-verdade faz com que os fatos objetivos tenham menos importância do que as emoções e as opiniões, na qual, cada um diz ter “sua própria verdade”.

Com todos estes elementos, a polarização — terreno em que surgiu esse conceito — só se expande “em prol da disseminação de crenças enrijecidas por ideias fixas e inflexíveis, trabalham para minar a confiabilidade de quaisquer fontes de registros e transmissão da efetiva ocorrência dos fatos” (SANTAELLA, 2019, p. 80). A proteção e cautela com os fatos nunca é excessiva. Tenhamos cuidado!

--

--

Camila da Silva
singular&plural

Reporter and student of Journalism at Mackenzie. She worked as a reporter and sub-editor with audiovisual productions and reports for BBC, The Intercept and UOL