'Inception': a violência que gera notícia, que gera leitores violentos

Luiza Rubio
singular&plural
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3 min readMar 27, 2018

Nossa postura de mídia contribui para nosso comportamento em sociedade

Por Letícia Imperador e Luiza Rubio

Um famoso documentário de 2002, do diretor Michael Moore, reflete sobre como a mídia influencia a sociedade americana a ser violenta e destrutiva. A partir do tiroteio que aconteceu em 1999 em Columbine High School, “Tiros em Columbine” disserta sobre as diferenças de comportamento entre americanos e canadenses, o discurso e perigo da armação da população e procura uma explicação para a violência e os grandes números de mortes relacionadas a armas de fogo.

Esse problema com a comercialização aberta de armas de fogo é um sintoma social que cada vez mais se agrava. Desde o início de 2018, vários tiroteios ocorreram em escolas americanas e até o começo de fevereiro 1.816 pessoas morreram nos EUA devido à violência armada, de acordo com os dados mais recentes da organização Gun Violence Archive, isso equivale aproximadamente 40 mortes por dia.

As coberturas da mídia sobre os tiroteios são diversas, um dos assuntos colocados em pauta foi o debate sobre se os professores de escolas do país devessem dar aulas armados — e até capacitá-los para reagir em alguma situação de risco. Também foram colocados em pauta, os motivos do por quê acontecem tantos tiroteios nas escolas dos EUA, algumas críticas sobre o porte legal de armas e como essa epidemia de tiroteios faz com que os Estados Unidos acabe se tornando um desequilíbrio no mundo desenvolvido.

Mas o que isso tem a ver com o Brasil? Bem, o documentário expõe diversos exemplos de telejornais e a quantidade de violência que é transmitida por eles. A mídia americana se assemelha muito com a nossa, se apropria dos problemas sociais em detrimento do lucro, exalta estas questões, cria sensos comuns que muitas vezes fogem da realidade e que até levam a histeria em massa.

Esse comportamento está presente em toda a mídia. Na programação da TV aberta brasileira, por exemplo, podemos encontrar mais de um programa dedicado exclusivamente para a propagação da violência e de crimes que acontecem no dia a dia da cidade, como o Cidade Alerta, o Brasil Urgente, o Balanço Geral e o reality show Polícia 24H. Porém, convido você, leitor, a observar agora a presença da violência em dois grandes jornais brasileiros, um de São Paulo e um do Rio de Janeiro, o Estado de S. Paulo e O Globo, respectivamente.

Estes veículos tem como foco a política e a economia. Falam para todo o Brasil, e por isso abordam assuntos nacionais, deixando os problemas localizados para o caderno “Metrópole” ou a editoria “Rio”. Mesmo assim, matérias sobre violência e relacionadas a violência aparecem com frequência. Pudemos encontrar na janela de 16 de março de 2018 a 23 de março do mesmo ano, 30 matérias matérias sobre crimes e violência, 18 delas no jornal O Globo e 12 no Estado de São Paulo. As manchetes que estavam relacionadas a assuntos de violência, principalmente urbana, se somam em 40 durante o período analisado, 23 no O Globo e 20 no Estadão. Ou seja, a quantidade de notícias sobre a violência que nos atinge é relevante até mesmo em jornais que não tem esse tipo de cobertura como foco.

No Brasil isso também nos afeta diariamente e distorce as percepções de realidade, um exemplo disso é a intervenção federal que colocou militares no Rio de Janeiro. A cidade, pela mídia de todo o país, tem seu dia a dia atrelado a violência. Isso justificaria, e cria uma fácil aceitação de ações invasivas e pretensiosas do governo, como esta militarização, mesmo com estatísticas de outras cidades e estados sendo equivalentes as do Rio de Janeiro. Por exemplo, em 2017 a violência em Fortaleza (CE) cresceu 96,4%, chegando a quase 2 mil homicídios, e gerando um total no estado do Ceará de 5.134 homicídios no ano. Já no Rio de Janeiro, 5.332 homicídios dolosos foram registrados em 2017, acarretando em um crescimento de 5,7%.

Fontes: Instituto de Segurança Pública (ISP) e Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social.

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