Independente do resultado militar, guerra entre Rússia e Ucrânia já tem vencedor na mídia

Na cobertura do conflito, mídia brasileira e internacional já dão vitória “moral” para a Ucrânia, ignorando uma realidade mais complexa

Bianca Antunes
singular&plural
3 min readApr 8, 2022

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Por Bianca Antunes, Bruno Xavier e Murilo Amaral

Pessoas na rua protestando contra a guerra. Foto: Jimmy Liao/Pexels

No dia 24 de fevereiro de 2022, uma tensa e alongada situação de enfrentamentos entre Rússia, Ucrânia, Estados Unidos e os demais países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) culminou em uma invasão do território ucraniano, ordenada pelo presidente russo Vladimir Putin.

Desde então, a mídia brasileira, em consonância com a mídia ocidental, passou a cobrir a guerra quase simultaneamente, com programas inteiros dedicados ao conflito. Entretanto, mesmo antes do início da invasão, esses agentes já se posicionavam, ainda que sutilmente, de um lado do embate: o da Otan.

Em colunas, matérias, debates e notícias, a imprensa acabou retratando uma invasão súbita e despropositada, fruto da mente de um tirano maníaco e perigoso. Enquanto os conflitos aconteciam, eram divulgadas até comparações entre Putin e Adolf Hitler, ditador da Alemanha nazista. Quem perde nessa infantilização do debate é o público, que é privado de análises aprofundadas que levem em conta todo o contexto, desde o fim da União Soviética até as frágeis e difíceis relações entre a Rússia e o Ocidente.

Com isso, a imprensa brasileira esquece de um valor jornalístico essencial para a manutenção da relação com o público: a honestidade editorial. Ao não deixar explícito o que defende, é passada uma impressão de que aquela versão da história é a única possível, uma expressão da verdade absoluta, algo proporcionado pela relação de credibilidade entre público e mídia.

Quando os veículos desmoralizam e omitem as acusações russas ao governo ucraniano — que já deixou de se comprometer com a democracia e a liberdade de imprensa há tempos — e não abrem espaço para que fontes russas, em apoio ou não à guerra, falem suas opiniões, é criado um ambiente de análises rasas banhadas por uma russofobia que nos leva de volta à década de 1980, quando esse lugar era ocupado pela extinta União Soviética.

Assim como, desde a década de 1950, existe uma constante caricaturização da Coreia do Norte, seu povo e seu governo, parece estar havendo o mesmo com a Rússia. Nesses casos, o presidente ou é tirano ou é maluco. A elite, ao contrário da brasileira e americana, forma uma oligarquia. E o povo é conivente com toda essa realidade. De forma contrária, passa a existir uma proteção ao governo ucraniano, liderado por Volodymyr Zelensky, que inclusive até antes da guerra era criticado como corrupto e fraco, especialmente após seu envolvimento no primeiro processo de impeachment do ex-presidente norte-americano, Donald Trump.

Um dos possíveis efeitos dessa falta de honestidade e transparência com o público é a descredibilização da imprensa, que noticia o assunto de forma superficial e falta com o profissionalismo. Além disso, o público, que testemunha apenas um lado do conflito, com pouco contexto e aprofundamento de suas causas, vê um mundo em 2D, com mocinhos e vilões definidos, mesmo nas situações mais complexas.

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