Jornalismo à flor da pele

Laura Isern
singular&plural
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4 min readJun 12, 2018

Quais são os limites da cobertura quando a tragédia é toda registrada por câmeras, como no desabamento no Largo do Paissandu

Por Laura Isern

Na madrugada do dia primeiro de maio, quando muitos ainda dormiam sãos e salvos em suas casas, uma tragédia anunciada se consumava no centro de São Paulo. No largo do Paissandu, um marco arquitetônico da capital paulista desmoronava por conta de um incêndio que abalou suas estruturas: o edifício Wilton Paes de Almeida vinha abaixo, soterrando cerca de 9 vítimas e o lar de 372 pessoas, segundo registro da prefeitura.

O fato chamou muito a atenção da mídia, dada a gravidade do incidente, mas em grande parte por ter levantado a discussão de um problema crônico vivido dentro das capitais, que é a falta de moradia para uma parcela considerável de seus habitantes. Essa “crise da moradia” fez com que ocupações fossem surgindo ao longo do perímetro da capital. Prédios abandonados pelo poder público, como o edifício protagonista da tragédia do dia 1º de maio, que um dia foi sede da Polícia Federal e abrigou também uma agência do INSS, passam a servir de lar para os excluídos do sistema. No entanto, grande parte desses edifícios, para além de não receberem a fiscalização necessária, não foram projetados para servirem como residência de tantas famílias. As improvisações que tornam esses ambientes ocupados mais “habitáveis” são também os que colocam a vida de todos os moradores em risco, podendo gerar explosões ou incêndios, como o que levou ao desabamentos do Edifício Wilton Paes de Almeida. É importante ressaltar que ocupações e movimentos de moradia sempre existiram. A atenção que a mídia vem dando para o assunto, seja cobrindo um incidente ou discutindo o tema por si só, é o que vem tornando a problemática uma pauta recorrente entre o público e, por consequência, entre as autoridades.

Em mais um dia de trabalho cobrindo a madrugada de São Paulo, a equipe da Rede Globo, com o trabalho do cinegrafista Abiatar Arruda, teve a oportunidade de captar uma imagem que certamente entrará para a história. Do momento em que os bombeiros tentavam efetuar o resgate de um dos moradores pendurados do lado de fora do edifício até a queda do imóvel, a câmera esteve focada no momento de agonia que vivia aquele personagem, seguido pela grande bola de fogo gerada pelo desabamento. A imagem, insistentemente reproduzida em todos os telejornais da emissora, fez o nome de Abiatar crescer, rendendo-lhe congratulações dentro e fora da redação. No entanto, aquela imagem chocante nos remete a outros tantos momentos da história, em que o Jornalismo estava lá, a postos para conseguir sua informação, mas sem poder modificar aquele cenário trágico.

É claro que no caso do Largo do Paissandu, não haveria muito a se fazer, por parte das equipes jornalísticas, para ajudar ou salvar a vida daquele morador que implorava aos bombeiros pela chance de sobreviver. A reflexão que fica, no entanto, é se de fato aquele registro do desespero, que tanto gera empatia no público pela identificação com seu sofrimento, é necessário para a construção da notícia e importante para que o público entenda o caso e tire suas conclusões.

É preciso reconhecer, também, a preocupação do Jornalismo da emissora em não se ater apenas ao fato por si só, mas em noticiar as consequências e causas de uma tragédia como essa e alertar para outras inúmeras ocupações em situações tão precárias quanto a que veio abaixo. Programas como o Profissão Repórter, utilizaram o fato como uma “porta de entrada” para a discussão do grave problema da moradia em São Paulo, abordando o tema pelo prisma do descaso: “ao resgatarem imagens antigas de ocupações, eles explicitam como esses cidadãos permanecem esquecidos pelo poder público, que não deixa de lado as medidas de desapropriação, mas não solucionar o problema das famílias sem teto.

Por ser um tema ainda muito recente, as conclusões sobre limites do sensacionalismo e a função do Jornalismo, aplicadas a esse caso especificamente, são muito frias e superficiais. Tratando-se de um desabamento que pegou todas as equipes no local de surpresa, é muito difícil julgar qual de fato teria sido a atitude correta: mostrar ou não a morte de um indivíduo, mesmo que de forma indireta. Assim como os acertos da cobertura midiática foram importantes para cobrar as devidas medidas das autoridades e levantar a discussão de um assunto tão importante dentro de São Paulo, muitas das abordagens às vítimas não tiveram a sensibilidade de não culpabilizá-las pelo ocorrido. Em algumas das entrevistas feitas ao recém-desabrigados do Largo do Paissandu, acabava-se sugerindo, mesmo que indiretamente, que nada daquilo teria ocorrido se os moradores tivessem cuidado melhor de sua moradia. Ou seja, não vivessem de maneira tão precária.

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