Jornalismo brasileiro: a diferença entre o conflito na Ucrânia e as guerras no continente africano

Tratamento internacional dado à guerra na Europa é diferente do que ocorre na África e fere o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros

Vitorlelis
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3 min readApr 8, 2022

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Por Vítor Lelis e Weverton Brunno

Manifestantes protestam em Paris contra a invasão russa — Foto: Pixabay

Desde o dia 24 de fevereiro, quando Vladimir Putin decidiu invadir a Ucrânia, a mídia brasileira inicia uma cobertura completa sobre a guerra. Atualizações em tempo real sobre os acontecimentos, telejornais com participações de correspondentes e reportagens especiais compõem o dossiê que tenta explicar as razões e possíveis consequências do conflito. Levando em consideração os critérios de noticiabilidade, é de interesse público compreender as razões de uma guerra envolvendo a segunda maior potência militar do mundo. Do ponto de vista econômico, o conflito envolve diplomaticamente as principais potências mundiais, como Estados Unidos, China, Inglaterra e Alemanha. Todos esses elementos tornam a guerra um prato cheio para a imprensa ocidental. Contudo, há uma problemática: há outras sete guerras ocorrendo ao redor do mundo, e elas são praticamente ignoradas.

Na Etiópia, já são 16 meses de conflito entre grupos étnicos e 900 mil pessoas passando fome, de acordo com o governo americano. A Anistia Internacional confirma relatos de assassinatos de civis e estupros em massa. No Iêmen, a guerra se arrasta há oito anos e, segundo a ONU, é o pior desastre humanitário do mundo, com mais de 233 mil mortos, incluindo 10 mil crianças. Myanmar, Haiti, Camarões, Síria e Afeganistão também vivenciam atualmente conflitos sangrentos, com milhares de mortes, assassinatos e violação dos direitos humanos.

Mesmo com um número de mortes superior e problemas como fome e estupro de civis, os conflitos na África, na Ásia e no Oriente Médio são praticamente ignorados, quando comparados à guerra entre Rússia e Ucrânia. Uma publicação do jornalista argelino-canadense Maher Mezahi comparou as diferenças na cobertura jornalística ocidental:

“Foi surpreendente em nosso continente perceber que nem todos os conflitos armados são tratados com a mesma falta de determinação que muitos dos combates na África recebem. Sim, [nos conflitos africanos] há declarações de preocupação e enviados internacionais em missões, mas nenhuma cobertura 24 horas, nenhuma declaração televisionada ao vivo de líderes globais e nenhuma oferta entusiasmada de ajuda”.

David Sakvarelidze, ex-procurador-geral adjunto da Ucrânia, afirmou em entrevista à BBC: “é muito emocionante para mim porque vejo europeus com cabelos loiros e olhos azuis sendo mortos todos os dias com mísseis de Putin, seus helicópteros e seus foguetes”.

Ao realizarmos uma análise do conteúdo envolvendo conflitos internacionais que é publicado na mídia brasileira e ocidental, constata-se uma visão eurocêntrica. A quantidade de matérias veiculadas, reportagens, tempo de discussão na televisão e volume na participação de correspondentes comprova o fato de que os conflitos na Europa recebem maior atenção e comoção da imprensa brasileira e internacional. No G1, um dos principais portais de notícias do país, há atualizações ao vivo sobre a situação da guerra ucraniana. Enquanto isso, as notícias mais recentes acerca dos conflitos na Etiópia, segundo país mais populoso da África, foram publicadas há mais de duas semanas.

Partindo do princípio da igualdade, presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, é preciso que a mídia dê o mesmo peso e espaço para a morte em massa de cidadãos, independente da região em que elas ocorram. No Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, o Art. 6º coloca como dever do jornalista: “opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Sendo assim, a visão eurocêntrica do jornalismo brasileiro na cobertura de guerras internacionais desrespeita o código de ética da profissão e o DUDH.

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