Jornalismo e parcialidade: onde está o limite?

Com a era digital, produzir materiais imparciais se torna um desafio para jornalistas

Isabella Marcolino Inglez Machado
singular&plural
3 min readApr 3, 2022

--

Por Isabella Machado

Foto por Freddy Kearney em Unsplash

A parcialidade no jornalismo é uma problemática discutida, praticamente, desde o fim da chamada imprensa partidária, em meados do século XIX. Inúmeras discussões sobre o seu perigo e a necessidade do profissional ser imparcial são travadas desde então, levantando diversos questionamentos, como o que pode ser entendido como atitude parcial ou não. Há alguns que creem que determinadas regras — como seguir à risca os manuais de redação — são a salvação para este mal, outros entendem que o simples ato de escolher ou rejeitar uma pauta já demonstra atitude parcial.

A verdade é que o jornalismo sempre esteve em meio a diversas crises, o que é possível perceber nitidamente no século XXI com a era digital e a disseminação mais fácil de fake news. Tal fato tem colocado muito em xeque a credibilidade na imprensa, sendo quase impossível dissociar parcialidade, credibilidade e veracidade nas análises de senso comum. A internet não apenas acelerou o jornalismo, o obrigando a cobrir cada vez mais rápido as notícias mundo afora, como também proporcionou uma profissão menos rígida e nem tanto pautada nos manuais de redação, permitindo que, de formas sutis, a parcialidade ganhasse forma no campo informativo.

Contudo, no mundo atual, vale ressaltar que uma imparcialidade absoluta se torna praticamente utópica. Não cabe mais o entendimento de que trabalhar com afinco a objetividade aplicando a imparcialidade é apenas ouvir diferentes vozes e buscar o que é factual. As mídias trouxeram uma complexidade informativa que vai além deste fator, entrando nos campos econômicos também. Hoje, as pessoas têm acesso à informação na palma da mão e de forma muito rápida, de modo que escolhem facilmente aquilo de desejam consumir e as narrativas que querem ouvir. Essa velocidade toda é um desafio para o jornalismo, que se vê minado de possíveis crises a todo momento.

Além do mais, percebe-se que, com as redes sociais, a privacidade da identidade do jornalista foi renegada. Tudo o que é feito on-line é observado e fortemente julgado, refletindo nos demais âmbitos de sua carreira. Um exemplo claro destas amarras atuais foi a jornalista judia Emily Wilder, demitida pela Associated Press (AP) após defender os palestinos no twitter. O que desencadeou a demissão não foi exatamente sua ação, mas sim a pressão popular por a acusar de partidária, uma vez que a Palestina não é reconhecida oficialmente como Estado.

Contudo, a discussão da parcialidade vai além da apuração de fatos, escolha de pautas e vieses editoriais. Por meio de escolhas de palavras, sentenças, informações a serem adicionadas na reportagem ou não, o jornalista está exercendo sua dose de parcialidade. Mapeando brevemente as vozes — por meio da análise do discurso — da reportagem “Procon multa 18 barracas do Mercadão em blitz contra ‘o golpe da fruta’ e ‘da mortadela’”, veiculada no dia 24 de março de 2022 no portal G1, podemos encontrar outra forma de exercer parcialidade: na ausência de pluralidade de enunciadores.

A reportagem apresenta três locutores: o jornalista, um funcionário do Mercadão e uma consumidora que deu o seu relato. Contudo, apenas foi identificada uma enunciação, uma vez que todos possuem a mesma visão e opinião sobre a crítica que está sendo feita na matéria. De modo geral, o material jornalístico denuncia os preços abusivos e práticas irregulares dos comerciantes do local, que tem como intuito explorar os compradores e principalmente turistas.

Esta notícia é um exemplo ótimo para entender como o jornalista pode aplicar sua parcialidade na redação, ouvindo apenas fontes favoráveis ao seu pensamento, não procurando locutores que apresentem enunciações diferentes das suas, ou apenas não as inserindo no produto final. Em momento algum foi encontrado um depoimento do comerciante, por exemplo, para se defender das acusações. Principalmente no jornalismo digital, onde tudo é clicado rapidamente e viralizado, conteúdos como esse acabam se tornando cada vez mais comuns, explanando as pitadas de parcialidade no jornalismo.

--

--