Começa a guerra contra o Facebook. De que lado você está?

Ludmila Vilaverde
singular&plural

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Decisão da Folha de S. Paulo evidencia a falta de transparência na distribuição de conteúdos da plataforma de Mark Zuckerberg

Por Délis Pessoa e Ludmila Vilaverde

No dia 8 de fevereiro, a Folha de S.Paulo emitiu uma nota anunciando a decisão de interromper a divulgação de conteúdo em sua página no Facebook que reúne quase 6 milhões de usuários. Segundo a empresa, a medida teria sido motivada principalmente pela diminuição da visibilidade de publicações jornalísticas pela rede social que passou a privilegiar conteúdos de interação pessoal e familiar.

Isso não era novidade. Nos meses anteriores, a Folha já havia deixado seu posicionamento claro, com críticas frequentes à sua plataforma, denominando-a “condomínio fechado das convicções autorreferentes”.

Com isso, surge o questionamento de leitores e outros veículos: “Beleza. Mas o que eu tenho a ver com isso?”. Aparentemente nada, porque essa é uma briga de titãs. De um lado, o maior jornal de circulação paga do país e do outro, uma rede social com receita de 12,9 bilhões de dólares.

Não que criticar o Facebook fosse algo inédito, no Brasil ou no mundo. Outros veículos como o The Guardian e o New York Times já haviam se posicionado em relação ao Facebook, por incidentes como a “manipulação” das eleições nos EUA e pela saída da Inglaterra do Reino Unido que ficou conhecido como Brexit. E, na recente polêmica do Cambridge Analitica, que adquiriu dados de usuários de forma completamente legal, mas burlando o próprio Facebook, para manipular entregas de conteúdos e conquistar possíveis eleitores para Donald Trump, deixando claro qual é o produto e o preço da plataforma.

A decisão da Folha acabou colocando em evidência a falta de transparência por parte do Facebook nos critérios que levaram a decidir os tipos de publicações que seus usuários terão acesso com mais frequência na rede.

Nos últimos anos, a plataforma de Mark Zuckerberg foi se tornando cada vez mais um grande filtro de informação, ou como se diz no jargão jornalístico, um gatekeeper, ou seja, um porteiro que basicamente decide o tipo de conteúdo que entra e sai. A rede social passou a fazer justamente isso ao direcionar o que a gente vê, lê ou assiste, de acordo com os nossos gostos e experiências pessoais.

Com isso, o Facebook facilita a criação de grandes bolhas que podem impactar de maneira negativa a vida em sociedade. Ora, se eu só vejo publicações de pessoas que eu gosto e pensam da mesma forma que eu, simplesmente não há espaço para contraposição de ideias de pessoas que possuem vivência diferente da minha, o que acaba amplificando a intolerância à modos de pensamentos e experiências de vida distintas.

De certa forma, essa medida também acabou contribuindo para a proliferação das fakes news, informações que aparentam serem noticiosas, mas na verdade são produzidas sem nenhum tipo de apuração e informam equivocadamente as pessoas.

O Facebook, até agora, não conseguiu arranjar uma solução definitiva para filtrar o tom de veracidade das publicações. Apesar de seus esforços para criar uma plataforma de denúncia e checagem, em parceria com grandes órgãos com credibilidade internacional, não impede de que as denúncias ocorram falsamente por usuários que simplesmente discordem das ideias publicadas. O aumento das fake news na plataforma também foi um dos argumentos da Folha pela saída da rede, segundo a nota publicada.

Desde maio de 1995, quando a internet passou a ser utilizada para fins comerciais, a imprensa vem sentindo o impacto e ainda buscam uma nova forma de continuar existindo.

Antes da rede, as empresas jornalísticas privadas desfrutavam do privilégio de serem, praticamente, as únicas produtoras de notícias. Simplesmente não havia meios viáveis para que uma pessoa conseguisse produzir informação de maneira independente. Por isso, a imprensa tinha o monopólio do discurso e estabelecia à sociedade uma agenda política, social e cultural baseada nos seus interesses políticos e econômicos.

A partir do surgimento da internet, grupos sociais, políticos e econômicos passaram a ter a possibilidade de produzir conteúdo informativo e opinativo, o que possibilitou a criação de um ambiente mais plural e diverso na área da comunicação.

Ao mesmo tempo, o valor da notícia caiu. Informações das mais variadas fontes passaram a estar disponíveis sem custo para o internauta. Esse novo ambiente abalou o modelo de negócios no qual — principalmente a mídia impressa — se baseava.

Antes, as empresas podiam criar uma escassez artificial de informação, a partir do controle de acesso por meio da quantidade de tiragem, valor da assinatura e obsolescência programada da informação. Afinal, ninguém comprava o jornal do dia interior porque ficava velho e, se você quisesse se manter informado, teria que comprar todos os dias. Agora, não só a notícia expira em minutos, como tem uma variedade imensa de plataformas, ângulos, recortes e opiniões produzidas de todos os cantos do planeta, a todo momento, para leitores escolherem em um universo de possibilidades.

O jornalista, então, além de ser repórter, ao apurar notícias e cobrir grandes eventos, também se transforma em um “cartógrafo da informação”, ao filtrar informações falsas na internet e buscar se integrar à toda a possibilidade de participação dos ambientes digitais.

O valor da produção da notícia é aproximadamente o mesmo para a imprensa tradicional e mídia alternativa. O que muda é o preço da impressão e distribuição. A internet eliminou esses dois fatores. Agora, a informação é dada em tempo real muito antes de sair nos jornais e está disponível em centenas de páginas — e na maioria das vezes — de modo totalmente gratuito.

É preciso reconhecer um mea culpa: fomos nós, jornalistas e veículos de comunicação, que nos deixamos pautar por uma plataforma que se diz gratuita, mas na verdade acaba transformando o seu público em mercadoria ao obter lucro pelo alcance que a rede oferece.

O Facebook tem o direito de cobrar para que os administradores tenham o alcance total do público que curte suas páginas, da mesma forma que os jornais tradicionais ainda fazem com a informação, restringindo suas pautas e públicos. Só que, nesse caso, se não há preço, os dados pessoais e os próprios usuários tornam-se produtos.

De um modo ou de outro, as empresas jornalísticas precisam encontrar meios de sobrevivência. A Folha, por exemplo, criou a versão digital do jornal que atualmente lidera o ranking de downloads. O veículo vem limitando cada vez mais o acesso gratuito ao site com o seu poderoso paywall. O público tem acesso somente a cinco matérias por mês e a coluna de opinião é restrita a assinantes. É a forma que os jornais estão encontrando de pagar os custos de produção do que classificam como jornalismo profissional.

Cabe ao leitor decidir se vai querer pagar um preço alto por conteúdo de qualidade produzido por profissionais capacitados ou vai deixar ser pautado gratuitamente pelo o tipo de informação que o Facebook dispõe em seu feed.

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