Morte de MC Kevin e absolvição pela imprensa
Importantes veículos brasileiros sugerem amigos e masculinidade tóxica como culpados para acidente que levou cantor a óbito
Por Fernando Polacchini e Julia Marto
Aos 23 anos, o cantor Kevin Nascimento Bueno, sob o nome artístico MC Kevin, era conhecido dos fãs de funk, e suas composições atingiam principalmente esse nicho. Seu nome foi lançado nacionalmente, entretanto, com a cobertura de um acidente que resultou no falecimento do artista.
A morte precoce de MC Kevin não foi a única razão para o destaque do caso em meio às crescentes vidas perdidas no país. Segundo testemunhas, o cantor estava sob influência de entorpecentes e mantinha relações com uma acompanhante quando pensou ouvir sua esposa batendo à porta do quarto. Ao tentar evitá-la, teria pulado da sacada do hotel onde estava, mas não conseguiu aterrissar no andar de baixo, caindo 15 metros e sofrendo traumatismo craniano fatal.
“No final do velório do músico, nesta terça (18), Deolane Bezerra, que se casou com MC Kevin no mês passado, culpou as amizades pelo acidente. ‘Eu cansei de falar para o Kevin tomar cuidado, abrir o olho. Ele tinha muito amigo falso, sanguessuga. Isso aqui [morte do cantor] é amizade’, disse.”
Matéria “MC Kevin: Veja o que se sabe sobre a morte e as linhas de investigação” da Folha de S. Paulo
No Rio de Janeiro para realizar um show clandestino, o cantor se hospedou no hotel com diversos amigos, frequentou a praia com eles e teve contato próximo com, ao menos, uma pessoa previamente desconhecida. MC Kevin também havia viajado ao México duas semanas antes para seu casamento, contrariando recomendações da OMS para prevenção do contágio por coronavírus.
A mídia brasileira, que desde março de 2020 assumiu uma posição de fiscal da prevenção contra a pandemia, não deu especial destaque ao descumprimento do isolamento social promovido pelo cantor. Na mesma época em que artistas como Ludmilla, Mumuzinho e Gusttavo Lima são criticados por participarem de show ilegal, Kevin é destaque em três dos maiores veículos e programas de entretenimento do Brasil. Além disso, os riscos assumidos pelo artista por conta da pandemia não são mencionados nas reportagens.
“A gente não sabe as amizades que anda (sic) quando o filho está na rua. O filho nunca fala tudo o que faz. A minha preocupação é droga e bebida. […] Eu sempre falei: ‘filho, respira pra viver’. Em dois meses ele foi pra Dubai, foi pro México… Nos últimos dias, ele não dormia porque queria viver tudo intensamente. Eu falava ‘você tá querendo viver na velocidade da luz e a luz apaga’. E hoje ele não está comigo mais”.
Entrevista da mãe de Kevin para o Mais Você
Embora não se suspeite envolvimento de terceiros na queda, tanto a mãe quanto a esposa de MC Kevin destacaram “amizades”, drogas e despreparo emocional como influências no fim da vida do cantor, que viveu uma infância pobre. Não é papel da mídia julgar a culpa de Kevin, ou apontar outros responsáveis para suas ações. Enquanto veículos como R7 e Extra sugerem juízos de caráter negativos sobre o cantor, outros assumem a posição contrária, enquanto o correto seria não assumir posição alguma.
“Os detalhes sobre as atividades sexuais do grupo não fazem diferença. O que parece certo: Kevin sofreu um acidente causado por álcool, drogas e farra. Um daqueles encontros de clube do bolinha regados a masculinidade tóxica, quando, em geral, os rapazes se mostram homens e corajosos e, para isso, inclusive, cometem irresponsabilidades”.
Matéria “Morte de MC Kevin: quando a masculinidade tóxica mata os meninos”, do UOL