Muito além do primeiro turno?

Jornal reduz o chamado “voto útil” a “lulismo” em editorial fortemente contrário à decisão presidencial no primeiro turno das eleições

Alguém
singular&plural
3 min readOct 6, 2022

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Por Isabella Figueiredo, Jacy Fernandes e Patrícia Vilas Boas

A poucos dias do primeiro turno das eleições presidenciais de 2022, o jornal Estadão publicou um editorial intitulado “A democracia não depende de Lula — Opinião”. No artigo, o autor defende a ideia de que a campanha ao chamado voto útil não seria de boa-fé e estaria, na verdade, ameaçando a escolha democrática por parte dos brasileiros — o texto chega a dizer que se trata de uma “pressão rigorosamente inconstitucional’’. Para a defesa dessa colocação, o autor sugere que a campanha do voto útil seria coercitiva e antidemocrática, restringindo a liberdade política e o envolvimento verdadeiramente engajado da sociedade.

Para uma análise de discurso, podemos destacar a escolha das palavras e a repetição de ideias, tais como os trechos “é cada vez mais evidente o clima de constrangimento a quem não adere ao lulismo no primeiro turno” [destaques desse artigo crítico] e “o que não faz sentido é impor essa antecipação como uma obrigação moral”. O uso de verbos imperativos e substantivos densos pretende demonstrar qual seria a postura desse determinado grupo de pessoas que está empenhado nesse plano tático. Nesse ponto de vista, o autor opta por um uso denotativo das palavras, preocupando-se em usar as que podem ser as mais categóricas para exemplificar seu pensamento. E o que chama mais a atenção é a sugestão de que a campanha pelo voto útil se trataria de uma versão do lulismo.

Apesar de não rechaçar os adeptos ao voto em Lula no primeiro turno, dizendo que “é legítimo advogar pelo voto útil”, o artigo vai contra o incentivo dessa prática, principalmente quando comenta o pressuposto de que a única opção viável para assegurar a democracia no Brasil seria o voto em Lula no primeiro turno, fazendo a antítese de que desqualificar intenção de voto que não seja em Lula é pouco democrático. “Democracia é feita com liberdade de escolha, e não com oportunismos”, diz o jornal.

Eleições 2014 — Voto em trânsito no IESB, Asa Sul, Brasília / Foto: Marri Nogueira/Agência Senado

Já a respeito da repetição de ideias enfáticas, podemos citar a opção em sempre remeter ao partido do presidenciável Lula, sempre ressaltando o “petê” em hipóteses de um cenário contrário: “o PT defenderia o voto em algum candidato de outro partido que estivesse mais bem posicionado nas pesquisas? A julgar pelo histórico do partido, que jamais apoiou nada que não fosse petista, a resposta é não”. Com isso, o jornal presume determinados cenários sem qualquer base que possa sustentá-los, reforçando sua opinião sobre o partido ser inflexível.

Ainda sobre o discurso, é interessante a forma com que o autor se preocupa em trazer o contraponto de suas colocações, principalmente no começo de cada parágrafo. Assim, antes de lançar seu argumento sobre a imposição do voto útil, ele antecipa que seu objetivo ali não é o de impedir a escolha voluntária dos eleitores (como por resolver a eleição no primeiro turno ou antecipar suas escolhas finais); em seguida reafirma que sua contestação é acerca da obrigatoriedade dessa postura, pela campanha desmedida em prol dessa estratégia. Contudo, o que mais chama atenção é o fato desse artigo de opinião não estar na página de um autor em específico, mas no editorial do Estadão, como um artigo de opinião com base nos preceitos do jornal, constatando abertamente o antipetismo do veículo e seu alinhamento mais à centro-direita do espectro político brasileiro.

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