O conflito de discursos

A parcialidade da mídia brasileira na atual crise entre Israel e Palestina

André Casé
singular&plural
3 min readJun 15, 2021

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Por André Casé e Isabel Marinho

Arte urbana no muro que separa Israel e Palestina. Foto: Jakob Rubner / Unsplash

H á mais de 70 anos, ocorreu a primeira Nakba (catástrofe, em árabe), também conhecida como uma limpeza étnica. Com a declaração de independência de Israel e o fim do comando britânico que coordenava a partilha do território por determinação da Liga das Nações até então, palestinos foram expulsos de suas terras para dar lugar ao estabelecimento de povos israelenses.

Em 1948, a Palestina foi dividida, criando o Estado de Israel. Mais de 400 aldeias foram destruídas e cerca de 800 mil palestinos expulsos de suas terras, se tornando com o tempo cinco milhões de refugiados, número levantado pela ONU, dentro de seu próprio território. Mas mesmo com 55% das melhores terras da Palestina, a disputa territorial por parte de Israel não cessou e hoje vivencia-se um novo episódio da Nakba vista há sete décadas.

A Faixa de Gaza na grande mídia brasileira

A preocupação em seguir a ética jornalística e manter a imparcialidade em conflitos como este tem se tornado mais frequente, visto que a opinião pública está cada vez mais atenta aos deslizes éticos da grande imprensa brasileira. Entretanto, ainda é possível notar reportagens de grandes portais que deixam fatores ideológicos falarem mais alto que os próprios fatos.

Com o confronto entre palestinos e israelenses no topo do agendamento midiático, visto com dezenas de matérias publicadas nas últimas 24h (do dia 14 de maio de 2021), é notável a desproporcionalidade em que um lado (Israel) ataca e faz vítimas do outro (Palestina). Veículos como Jovem Pan, Veja e R7 não dão a devida relevância para esse aspecto ao abordar o tema.

Na matéria publicada na revista Veja, no dia 10 de maio de 2021, “Escalada de violência: Palestinos disparam mísseis em Jerusalém”, é possível notar que a edição diminui a importância da Palestina, reduzindo as vítimas apenas em números, ao citar que mais de 300 palestinos ficaram feridos no confronto. Por outro lado, ao citar uma única vítima israelense, a abordagem humaniza o caso, identificando inclusive o seu cargo. Além dele, citam um vilarejo israelense atacado, que não teve vítimas, mas abordam a fim de comover o leitor, como no trecho que diz que o míssil deixou “uma série de casas danificadas”, colocando, assim, o valor material acima da vida humana.

Seguindo mais um critério da análise de conteúdo defendido pela jornalista e mestre em Comunicação Social, Heloiza Golbspan Herscovitz, o uso de palavras pode ser levado em consideração como tendencioso. Nas matérias analisadas, os adjetivos vistos denotam as opiniões parciais dos veículos de comunicação. Por exemplo, na matéria da revista Veja citada anteriormente o jornalista se refere aos palestinos como “militantes de Gaza”, enquanto usa termos afetivos ao citar israelenses, como: “familiares”, “moradores” e “vítimas”.

Além disso, analisando as fontes utilizadas para a abordagem midiática, é visível o apoio a Israel, dado que, apesar de mostrar que o país está atacando, apenas autoridades israelenses são citadas. Na matéria “Número de mortos vai a 90 no conflito entre Israel e palestinos”, publicada no R7 em 13 de maio de 2021, uma fala do ministro israelense da Defesa, Benny Gantz, foi utilizada para justificar as 600 vezes que Israel atacou Gaza em um único dia e todas suas outras investidas violentas.

Dessa forma, com todos os pontos analisados, são questionáveis na prática os valores profissionais jornalísticos essenciais como a ética, a verdade e o interesse público. Nessas matérias, o posicionamento ideológico dos jornais foram colocados acima de tudo isso para defender aquilo que julgam correto.

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André Casé
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Jornalista latino-americano em formação. Escrevo, geralmente, sobre meio ambiente, geopolítica e cultura.