O desabamento do prédio encobrindo cenários sociais

Giulia Famá
singular&plural
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3 min readMay 24, 2018

A forma como a mídia transmite tragédias alimentando a alienação

Por Giulia Famá

Diante uma sociedade cada vez mais capitalizada e individualista, os erros, culpa e consequências desse sistema recaem sobre uma parcela social ignorada e tratada com descaso pelo governo.

Na madrugada do dia primeiro de maio, um prédio ocupado na região central de São Paulo, capital, desabou. Deixando em situação de rua aqueles que já enfrentavam situações desprezíveis de vida.

O prédio que já havia tido grande desempenho e destaque em outras décadas, sendo tombado pelo em Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), em 1992, começou a perder a importância quando a Cia. Comercial Vidros do Brasil (CBV), perdeu a posse devido ao acúmulo de dívidas, A responsabilidade de oferecer uma função social para o imóvel, como é previsto em lei, foi transferida para o Estado, que transformou o Edifício Wilton Paes de Almeida na sede da Polícia Federal até 2003, quando o órgão o abandonou por completo.

Durante 12 anos com o crescimento da metrópole, população de baixa renda que trabalha para conseguir comer alguma coisa no mês seguinte, sem suporte do governo, reviveram o prédio, ocupando e oferecendo um teto para quem não tinha e em paralelo uma função para aquela estrutura que de mais nada servia para a elite, que ainda insistia em desocupá-lo.

Só em 2015 foi para leilão e sem despertar interesse em qualquer investidor, foi cedido para a Prefeitura de São Paulo, já em 2017. Mesmo assim, nenhuma função lhe foi atribuída, a não ser servir de moradia para movimentos de ocupação.

Em situações precárias, o prédio e as inúmeras famílias foram se mantendo e sobrevivendo entre antigas salas e corredores. A situação raramente incomodou alguém, quem dirá a mídia, que o contrário de cumprir sua função social (a interpretação e transmissão imparcial e completa de informações para a sociedade, a fim de oferecer os dados necessários para que cada um construa sua própria opinião e guie suas próprias atitudes), preferia fingir que nada acontecia.

Quando a tragédia começou a imprensa já estava no local, acompanhando e reportando aquilo que a princípio não parecia tão grave, mas que logo se alastrou pros demais andares e começou a ganhar os olhares do Brasil inteiro.

Pela primeira vez aqueles cidadãos, sempre tratados como fantasmas e até mesmo problemas sociais, conseguiram a atenção de uma sociedade que foi e continua sendo a causadora da vida que eles levam. No entanto, pouco mudou, a imprensa continuou reportando o caso alimentando o preconceito e a diferença social já existente, culpando os “refugiados” de morarem em uma situação precária, de causarem o incêndio e finalmente do desmoronamento, de um lugar que um dia havido sido fonte de dinheiro para o sistema econômico regente.

Entre as coberturas e notícias, foi revivida a história do prédio, a sua época de triunfo, seu abandono e sua ocupação. Em outras, foram revistas a situação que aqueles indivíduos viviam e a não autorização do governo por aquele tipo de moradia. Mas em momento algum o cenário foi ampliado para os outros momentos semelhantes ao Movimento Social de Luta por Moradia (MSLM), a mídia somente aproveitou de um momento de espetáculo, para alimentar uma ânsia social por tragédias.

O consumo de violência faz parte de uma das raízes sociais da cultura ocidental, e diante uma crise econômica, política e no mercado da comunicação, a mídia tem optado a cada dia mais por transmitir somente aquilo que trará retorno econômico para a emissora/veículo ao invés de cumprir com a sua função de informar as pessoas sobre um cenário social real e preocupante, alimentando não somente uma raiz cultural, mas também uma alienação que é o fruto do descaso e imposições que levam a cada dia mais cidadãos de baixa renda ocuparem prédios por aí.

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