O dia do Juízo Final

Marcelle Dutra
singular&plural
Published in
6 min readSep 21, 2018

Por Beatriz Medeiros, Danielle Leite e Marcelle Dutra

Ainda que a moda seja essencial para a formação da cultura de nações e épocas, por tratar de imagem, acaba sendo vista como fútil e dispensável. Se no dia-a-dia a moda já é julgada como leviana -sendo esse um julgamento curioso, uma vez que todos saem de casa com roupas cobrindo o corpo-, não é de se admirar que no jornalismo não seja diferente.

“Jornalismo é a coleta, investigação e análise de informações para a produção e distribuição de relatórios sobre a interação de eventos, fatos, ideias e pessoas que são notícia e que afetam a sociedade em algum grau. A palavra se aplica à ocupação (profissional ou não), aos métodos de coleta de dados e à organização de estilos literários. A mídia jornalística inclui: impressão, televisão, rádio, Internet e, no passado, noticiários.”

A definição acima é da Wikipedia e foi atualizada pela última vez no dia 19 de setembro de 2018. Se o jornalismo existe para produzir e distribuir “relatórios” sobre assuntos que afetam a sociedade em algum grau, ter o jornalismo de moda às margens das redações Brasil a fora é culpa de quem? Enquanto outras áreas são tidas como poderosas, os jornalistas de moda lutam em vão por mais notoriedade.

Compreendemos o jornalismo como uma atividade complexa (Franciscato, 2005; Barnhurst, Nerone, 2002), não apenas circunscrito por relações com os leitores, mas com fontes, anunciantes (marcas e/ou pessoas físicas), personagens (novamente: marcas e/ou pessoas físicas), concorrentes, entre outros que compõem a produção e distribuição no mercado editorial das revistas. Ou seja, não só o jornalista que apura e produz algo é responsável pelo material, mas todos os envolvidos.

É verdade que muitas vezes carregam na opinião, mas o bom texto de revista tem que estar calçado prioritariamente em informações. Rechear um texto apenas com juízos de valor (próprios ou tomados emprestados de alguém) é fácil — as opiniões são livres e baratas –, mas dão sempre as informações que garantem a qualidade e consistência do texto jornalístico (SCALZO, 2003, p. 58).

Embora muitos tratem o jornalismo de moda como “jornalismo secundário”, como bem identificado por Dario Caldas (1999), a máxima de que a imprensa representa um quarto poder ganha uma nova acepção na moda: “(…) a mídia é o “primeiro poder”, tal a força institucional e a capacidade de determinar as tendências dos grandes meios de comunicação” (CALDAS, 1999, p. 25). Este é o principal fator que faz com que alguns estudiosos depositem a responsabilidade do curto ciclo da moda, que, por sua vez, aumenta a velocidade no consumo, nos produtos jornalísticos.

A moda sempre se viu num lugar entre arte e capital, no qual muitas vezes abraçou seu lado artístico para abrandar seu lado financeiro. Os aspectos comerciais, no entanto, tendem a sufocar a possibilidade de crítica genuína. O jornalismo de moda é visto em grande medida como uma extensão do departamento de marketing das empresas de moda, não como uma atividade com função e integridade bem-definidas. (SVENDSEN, 2010, p. 184)

Movimentando grande parte do mercado de revistas impressas e (muitos) conteúdos digitais, as revistas de moda estão entre as mais lidas e os blogs e perfis entre os mais seguidos na internet. A febre dos blogs de moda, que atingiu grande proporção em 2008, desenfreou mudanças inimagináveis para a imprensa tradicional de moda.

Diferentemente de uma revista, que já nasce com um público bem definido, o blog e as redes sociais têm a liberdade encantadora de simplesmente serem o que quem escreve quiser. A audiência encontra o blog e fica do seu lado por isso, pelos interesses parecidos, como num grupo de amigos. O mundo começou a valorizar cada vez mais opiniões pessoais. O fenômeno atraiu o interesse da imprensa tradicional, que reconheceu e validou a força desses novos formadores de opinião. Ao mesmo tempo, os veículos começaram a sentir no bolso o incômodo de ver parte da verba publicitária, antes garantida, sendo direcionada para garotas que escreviam dos seus quartos (COUTINHO, 2018, p. 23)

O recente fechamento da revista Elle da Editora Abril (com dívidas de R$1,3 bi), em 6 de agosto de 2018, repercutiu nacionalmente e internacionalmente, não só por ser uma franquia francesa, mas por ter abrigado e demitido incríveis jornalistas brasileiros da área.

Foto: Pixabay

A ELLE nasceu na França em 1945, em um mundo bem conturbado pós guerra, que pedia por mais beleza e dias mais otimistas. Era uma ótima época para lançar uma revista na qual o público alvo era as mulheres modernas e apaixonadas por moda e que queriam se sentir mais belas. A revista chegou ao Brasil em 1988, três anos depois do seu lançamento nos Estados Unidos. Aqui no Brasil ela entregava prêmios relacionados à moda e fazia cobertura dos eventos de moda nacionalmente. Os leitores eram em sua maioria mulheres de classe A e B, de 20 a 59 anos.

A Elle era uma das maiores revistas de moda em circulação do mundo com mais de 60 países em atuação. O fechamento da revista demonstra para o jornalismo de moda internacional e nacional que o mercado editorial brasileiro vai de mal a pior. Se em 2005 a circulação da revista era de quase 100 mil exemplares, em 2017 havia caído para quase metade: 58 mil exemplares. Enquanto a redação de sua maior inimiga, Vogue, conta com quase 100 profissionais, a Elle fechou as portas com menos de 30 — que, diga-se de passagem, foram demitidos sem receber seus salários.

Quando revistas com bons conteúdos, escritas por bons profissionais, fecham as portas (em 2013 a Gloss e a Lola deixaram de existir) para onde vão as pautas? De fato temos ilustres publicações acadêmicas, mas não são acessíveis ao grande público. A própria Revista Dobras, primorosamente editada por Kathia Castilho, se propõe a pensar moda de uma maneira menos tradicional, elitista e mais orgânica. No entanto, quem ocupará o vazio deixado pela Elle? Deve ser levado em consideração que a Vogue praticamente não trata mais de jornalismo de moda, mas de lifestyle. Traz pautas sobre viagens (com hotéis onde as diárias custam R$3.000, ou seja, têm um público muitíssimo restrito), casas de famosos e entrevistas com fontes que não acrescentam conteúdo de moda.

Embora muitos profissionais repitam incansavelmente que “o mercado (de moda) é difícil para o conteúdo, mas fácil para o fútil”, isso não soa coerente quando se tem noção do currículo e da capacidade dos jornalistas de moda que hoje estão desempregados. Tal discurso, no entanto, é restrito aos mesmos profissionais que dedicam seu tempo escrevendo sobre fofocas para “revistas de moda”, quer seja por ser um caminho mais fácil, quer seja pela sua própria falta de qualificação para a abordagem do tema.

O fechamento de editorias como a da revista Elle no Brasil mostra o crescente descaso de alguns da classe midiática com o avanço que vivemos. É fato que a tecnologia revolucionou tudo o que conhecemos como mídia, e que hoje não é necessário esperar semanas para se obter informações que temos na ponta dos dedos em qualquer blog de moda online. Porém, há controvérsias quando apontamos que a qualidade do que se encontra em renomadas revistas, como a em questão, é superior a maioria “fácil e rápida” da contemporaneidade. É tempo de evoluir sem a perda da essência e do diferencial do jornalismo de moda tradicional: qualidade e primor.

Linhas Teóricas da Comunicação e o Jornalismo de Moda

A linha teórica da mercadoria explica que existe um emissor que precisa dominar o seu receptor, como no exemplo da ELLE, por ser um ramo do jornalismo mais difícil de ser dominado, pois muito se fala sobre jornalismo de moda não ser tão “clássico” para dizer que é de fato jornalismo, era pouco aceito no começo das revistas de moda.

Outra linha que se encaixa no assunto é o diálogo, a moda teve que dialogar muito com o seu público para crescer e se encaixar no jornalismo. Hoje em dia com a mídia digital, a comunicação de massa onde abre um processo de diálogo mediada através da tecnologia. A sociedade da moda foi crescendo e se desenvolvendo junto com as revistas, gerando uma democratização de comunicação de massas.

REFERÊNCIAS

CALDAS, D. Universo da moda: cursos online. São Paulo: Anhembi Morumbi, 1999.

COUTINHO, Camila. Estúpida, eu?: A blogueira que conquistou o seu lugar no mundo da moda. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.

SCALZO, Marília. Jornalismo de Revista. São Paulo: Contexto, 2003.

SVENDSEN, L. Moda: uma Filosofia. São Paulo: Zahar, 2010.

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