O hexa vem?

Jullia Guedes
singular&plural
Published in
4 min readMay 28, 2018

Por Jullia Guedes e Ana Beatriz

O processo cultural de popularização e democratização do futebol construído ao longo do último século criou e fomentou a paixão do povo brasileiro pelo esporte. Fato é que durante esse processo o papel da mídia foi fundamental para desdobrar essa construção. Com o crescimento do rádio como meio de comunicação no governo de Getúlio Vargas, em 1938, o futebol — que começava a se popularizar no país — passou a ser usado como instrumento de propaganda e controle ideológico, a fim de promover a identidade brasileira e unificar ideias. Conquistando o posto de esporte nacional — mantido até os dias de hoje -, o futebol passou a ser visto, desde 1950, no Brasil, como um meio de mobilidade social e ascensão econômica, principalmente, para jovens negros e pobres.

E devido a essa construção, a ditadura militar, assim como o governo de Getúlio, também aproveitou-se do esporte como meio de unificação do país. Os militares passaram a atrelar a imagem do governo à Seleção Brasileira que, pouco tempo depois, seria campeã da Copa de 1970. O contexto naquele momento tinha motivações políticas: vender o Milagre Econômico e o Plano de Integração Nacional. A ideia funcionou tão bem, inicialmente, que os meios de comunicação embarcaram mais uma vez nessa jogada. A Placar acompanhava todos os jogos e dava dicas para preencher a loteria esportiva criada pelo governo e o Fantástico passou a veicular os gols da rodada acompanhado de um quadro da zebrinha, uma tentativa de aproximar as famílias daquele universo.

Com o sucesso da Seleção e o futebol apresentado, a mídia passou a incentivar direta e indiretamente ao longo dos anos a ideia de pátria das chuteiras. Isso porque a criatividade e habilidade dos jogadores brasileiros eram pontos fundamentais para a construção do futebol arte, o que fazia com que tais atletas fossem vistos como determinada superioridade futebolística. Além disso, sempre que estávamos próximos a competições internacionais, como a Copa do Mundo por exemplo, os principais meios de comunicação do país preparavam matérias especiais sobre a trajetória árdua e, como consequência disso, o sucesso econômico dos jogadores da Seleção. O que acaba criando uma visão consolidada do senso comum de que temos todos um compromisso com aqueles atletas.

A concepção dessa ideia funcionou tão bem que a população realmente passou a se engajar nesta causa. Camisas amarelinhas. Reuniões em família para assistir aos jogos. Ruas pintadas. Gritos e mais gritos de comemoração. A felicidade existente em cada classificação. E, de repente, milhões de brasileiros que se sentiam como técnicos daquele time. Acompanhar a Seleção canarinho durante a sua trajetória se tornou parte da rotina de muitos brasileiros.

E, embora a Seleção já tenha vencido cinco vezes a Copa do Mundo, tenha sido vice-campeã em outras duas, ganhado o ouro Olímpico em 2016, e seja, atualmente, a segunda colocada em um ranking elaborado pela Fifa, a trajetória até os dias de hoje não foi construída só de alegrias. Com a globalização, o surgimento da internet e o crescimento de canais esportivos, a mídia continua exercendo o seu papel de influência sob os torcedores. Cinquenta anos se passaram desde o golpe militar, o Brasil não ganha uma Copa do Mundo desde 2002 e o 7x1, na última Copa sediada no país, deu o que falar. A imprensa esportiva, somada aos comentaristas de seus respectivos programas, apropriaram-se dos eventos para tornar o esporte um espetáculo e estabelecer interpretações sobrepostas, críticas contundentes e metadiscursos aos espectadores.

Ainda que o futebol brasileiro não ande muito bem das pernas, o discurso da mídia apresentou mudanças significativas depois da boa campanha e classificação para a Copa do Mundo deste ano. Voltamos a falar, mais uma vez, do hexacampeonato e das chances que o Brasil tem de avançar no megaevento. Jornalistas e torcedores palpitam na escalação do time. E os meios de comunicação, inclusive, continuam a estimular os torcedores neste processo. O Jornal Nacional, por exemplo, desenvolveu uma série de reportagens sobre a rotina e vida de cada um dos jogadores convocados. GNT, SporTV e Globo veicularam nos últimos dias um programa novo onde a mãe de três jogadores da Seleção visitam os estádios e principais pontos turísticos na Rússia.

Apesar das duras críticas nos últimos anos, a imprensa apresenta uma perspectiva positiva da Seleção Brasileira no campeonato mundial deste ano. A população, no entanto, não demonstra a mesma ansiedade massificada de anos atrás, principalmente, se levarmos em consideração a atual situação econômica e política em que o país se encontra. A paixão existente pela Seleção perde espaço em meio às dúvidas e desconfianças enraizadas no sistema político brasileiro.

O hexa pode ser a nossa metáfora ou um espetáculo digno do legado perdido, desde que não seja envenenado por jogos e interesses políticos alimentados pelos meios de comunicação. Afinal, a relação entre política e futebol continua viva.

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