O jornalismo e o seu atraso no combate ao racismo

O jornalismo informa sobre o racismo, mas não usa seu potencial máximo na luta contra os preconceitos raciais

Tiago
singular&plural
3 min readApr 23, 2021

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Por Mateus Ferreira, Matheus Queiroz e Tiago Henrique

O fornecimento de informação é imprescindível para a manutenção dos direitos, denúncia de injustiças, um cotidiano mais tranquilo e previsível. O jornalismo comunica e serve como um mediador, com o papel de ligar informação, pessoas e instituições para melhorar as sociedades.

Mesmo com o seu foco em fornecer conteúdo para a população e mediar os agentes que movem a vida em sociedade, o jornalismo não se limita a somente providenciar informação. Ele tem a função de servir como esfera pública para ajudar na criação de opiniões e pensamento crítico. Por isso é tão importante a pluralidade de vozes e visões da imprensa.

Ao nos depararmos com alguns assuntos latentes no cotidiano brasileiro, temos a impressão de que o jornalismo não cumpre totalmente a sua função, nos damos conta de uma defasagem de debates, de falar sobre, expor visões.

O racismo existe no Brasil desde a época colonial. E o jornalismo, uma ferramenta com o potencial enorme para ajudar no combate ao racismo, só informa, reproduz o que acontece em relação a práticas racistas. O que é necessário, claro, mas não é a única medida a ser tomada.

Os noticiários vivem cheios de casos de preconceito racial, mas nunca há uma reflexão sobre o problema em si. As empresas não estimulam a representação negra na mídia e até o tratamento dos negros nas notícias é feito de forma desigual e pejorativa. Parece que, enquanto há racismo, o jornalismo lucra com as manchetes, contudo não pensa em usar a sua função de criar debates para diminuir a influência do discurso racista sobre as pessoas.

O jornalismo preza pela pluralidade de vozes, um critério importante para a criação de narrativas complexas e de alto grau de reflexão, e na pauta antirracista não temos muito jornalistas negros atuando. Somente 23% dos jornalistas são negros, segundo o estudo feito pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A falta de representatividade negra na mídia é um problema e mostra como, mesmo que indiretamente, as empresas jornalísticas estão deixando de ajudar a acabar ou pelo menos diminuir com o racismo no Brasil.

Ao falar do tratamento da imprensa sobre jovens negros, nota-se claramente uma diferenciação do modo como é feito esse tratamento em relação a outras etnias. Quando se trata de um jovem branco, ele é estudante, usuário, apenas um jovem que está envolvido com crimes ou drogas. Porém, quando se trata de um jovem negro, ele é o traficante, o bandido, o maior envolvido e culpado na situação.

Jovens sentados usando computador (Fonte: freepik)

Um exemplo dessa situação foi o jovem branco, que era suspeito de traficar uma cobra, da espécie Naja, e foi tratado pela grande maioria dos jornais, se não todos, como apenas um estudante que tinha uma cobra, ou o estudante que foi mordido pela cobra, mas não o intitulam como possível traficante.

Do outro lado da moeda, fica o caso do jovem negro, Lucas Morais de Trindade, condenado de três a cinco anos de prisão e que recentemente morreu na cadeia, com covid-19, por ter em porte 10g de maconha. Com apenas 10g, o jovem Lucas foi considerado um traficante pela imprensa e pela polícia.

Mas, porque a grande imprensa ainda tem uma enorme dificuldade em reconhecer que a maioria de suas pautas são de cunho racista? Esse fator está ligado ao eurocentrismo que influência muitas redações, ainda mais por conta de que muitos veículos brasileiros se inspiram em modelos europeus. Podemos observar isso com as coberturas que a imprensa brasileira faz, ela prioriza muito mais assuntos de países europeus e norte-americanos, do que africanos e latinos.

Por isso, ainda há muito o que melhorar no sistema jornalístico brasileiro, para que assim essas pautas tão necessárias sejam trabalhadas com seriedade e respeito, como todas as outras são.

Referências

http://nexjor.com.br/comarte/index.php/2020/05/07/negros-nas-redacoes-de-jornalismo-do-brasil/

https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/4083/1/NSilva.pdf

https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/07/13/estudante-picado-por-naja-o-que-se-sabe-ate-agora-na-investigacao-sobre-trafico-de-animais.ghtml

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/07/10/jovem-negro-de-28-anos-preso-com-10g-de-maconha-morre-de-covid-19-em-mg.htm

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