O jornalismo tem futuro?

Uma reflexão sobre como o entretenimento e o mundo digital influenciam os próximos capítulos da prática jornalística

Alice Rennar
singular&plural
3 min readMay 30, 2022

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Por Alice Rennar, Beatriz Kuabara e Estela Yamaguti

Não é de hoje que vemos um crescimento nos casos jornalísticos que se encaixam muito mais nas caixinhas de midiáticos. É só um acidente, desastre natural, polêmica envolvendo famosos, políticos, ou qualquer outra coisa que atenda os critérios de aumento de ‘ibope’, que os veículos fazem a festa. Mas será que existe um motivo?

Tornaram-se frequentes os casos em que as matérias de apelo emocional recebem mais visibilidade do que aquelas tradicionalmente de interesse público. Isso não é apenas um critério que surgiu somente pelo interesse dos veículos, surgiu também pela demanda do público.

Um episódio recente que é um grande exemplo e tem sido monitorado com frequência por grande parte dos veículos jornalísticos e das redes sociais é o caso do ator americano Johnny Depp e sua ex-parceira Amber Heard.

Um exemplo de como até veículos tradicionais entraram nessa cobertura.

Essa não é a primeira vez que o ex-casal segue uma disputa judicial. Desde 2016, eles têm feito denúncias um contra o outro envolvendo agressões físicas e difamação. Desde então, os dois seguem negando os atos alegados, mas foi apenas recentemente que o mundo começou a acompanhar cada detalhe desses processos judiciais.

“Essa amber heard tentou fazer de tudo pra f*der com o johnny depp prestando falso depoimento, é narcisista, abusadora, mentirosa e psicopata e quem sobrevive a esse tipo de situação, definitivamente é um sobrevivente” (Reprodução: Twitter)

Esse é um tweet publicado recentemente por uma pessoa com nenhum tipo de envolvimento direto com o caso.

Por mais que violência doméstica seja um assunto que deva ser coberto pela mídia, o caso não ficou famoso por defender os direitos humanos, e sim porque o público assiste a situação se desenvolver como se fosse uma novela, e a imprensa, obviamente, se aproveita disso.

É no contexto de um jornalismo pautado no entretenimento e nos maiores números possíveis de compra e leitores — na modernidade: visualizações nas páginas — que cresce a discussão de jornalismo de quem?

Quem está por trás desse “modelo de negócio”? Para quem esse tipo de matérias está pautado? Onde estão as denúncias? O objetivo de mudança? A relevância do estimado “interesse público”?

Photo by AbsolutVision on Unsplash

Um dos grandes dilemas quando se trata do jornalismo atual é a possibilidade de monetização. Em um mundo digital, em que o jornal físico não é mais uma opção e a assinatura digital não é prioridade, como lucrar com o jornalismo? No mundo dos cliques, apelar para o entretenimento pode ser uma das saídas para atingir o objetivo financeiro.

Talvez por isso, o jornalismo como conhecíamos só exista em campos de guerra ou em tempos de campanhas políticas, em que jornalistas são considerados ameaças e têm suas próprias vidas colocadas em jogo, em prol da informação.

A realidade do jornalismo de guerra

No final das contas, não existe certo ou errado.

Os veículos estão errados em optar por abordagens mais comerciais no intuito de não deixarem de existir? Quantos jornais vimos desaparecer nos últimos anos?

E nós, leitores, estamos errados em criticar essa nova onda de conteúdos supérfulos como manchetes de destaque?

O grande dilema acaba sendo como atrelar os ideais altruístas e idealistas do jornalismo com o sistema comercial e industrializado de venda de informações. E não faz parte da vida, a evolução? Por que o jornalismo ficaria de fora desta?

Não sabemos se a abordagem “correta” é a que estamos vivenciando, nem se existe uma abordagem correta. Porém, quando um desastre ou um julgamento de violência doméstica se torna entretenimento, realmente devemos parar para reavaliar o que está em jogo.

A pergunta que fica é: em tempos tão comerciais, em que a informação é rápida, tempo é dinheiro, e manter o cliente é o grande diferencial, como conseguimos manter a essência do jornalismo?

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