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Guerra na Ucrânia mostra busca incessável por vilão e mocinho em narrativas

Bianca Antunes
singular&plural
3 min readMay 30, 2022

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Por Bianca Antunes, Bruno Xavier e Murilo Amaral

Foto: Reprodução/Pixabay

Em 25 de fevereiro de 2022, um dia após a invasão russa da Ucrânia, a revista brasileira IstoÉ publicava como destaque de sua edição semanal o papel do governo Bolsonaro no conflito. Dias antes, o presidente havia visitado o país governado por Vladimir Putin e “memes”, tanto em tom de zombaria quanto de elogio, sobre uma “missão” de Bolsonaro de acabar com a guerra tomaram as redes.

Foto: Reprodução/Revista IstoÉ de 25 de fevereiro de 2022 (nº 2718)

A memetização da situação logo se provaria um fenômeno não restrito às principais redes sociais, mas também propagado pela grande mídia do país. Entende-se memetização como uma trivialização de assuntos cotidianos para maximizar a popularização desses. Entretanto, quando se trata de um conflito complexo e multifacetado, essa banalização pode atrapalhar mais do que ajudar no entendimento dos fenômenos.

A imprensa parece apostar na memetização em vários sentidos referentes ao assunto. Primeiro, as imagens de fácil reconhecimento e disseminação, fazendo referência direta tanto a antigas propagandas comunistas, quanto a propagandas anticomunistas, que se apropriaram da estética, memetizando-a, para tentar passar uma mensagem contrária à original, como se a imagem e o texto não fossem coerentes mas habitassem a mesma peça. A predominância do vermelho e o uso de ícones de equipamentos de guerra trazem uma direta referência ao conceito do “perigo vermelho”, que buscava insuflar medo e revolta na população em relação aos movimentos comunistas globais.

Há também uma oposição semântica que busca associar o comunismo à ditadura, ao perigo, e a Ucrânia e o Ocidente à democracia e resistência. Esses conceitos, porém, não são estáticos e apresentam variações de sentido de acordo com o contexto global que os cerca. Um exemplo disso é a heróica resistência ucraniana versus a terrorista resistência palestina; por mais conexões e similaridades que existam entre os casos, o tratamento dado pela mídia hegemônica varia de acordo com os contextos e interesses naquela história.

O perigo dessa tentativa de consolidação de uma narrativa única se agrava quando associada à psicologia Gestalt, que parte do pressuposto de que a percepção vem pelo todo, não analisada em partes. Quando um conflito complexo é resumido de forma simplista pela grande mídia, a massa não se apega aos detalhes particulares, tendo como entendimento inicial o pressuposto de análise do todo.

É importante notar que as associações agem como estímulo para um reflexo condicionado de comunista como vilão em sua abordagem, colocando como “do lado errado”, apontando, consequentemente, que há um “lado certo” no conflito. É possível enxergar, de fato, uma tentativa de dominação social da narrativa pelo uso da comunicação.

Nota do Editor: também é preciso levar em conta a desinformação causada pela descontextualização da imagem. Afinal de contas, o comunismo e o vermelho na Rússia ficaram no passado.

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