O menino que encantou a quebrada

A responsabilidade do jornalismo sensacionalista na proporção imediatista que se tornou a cobertura da morte de MC Kevin

Giulia Gonçalves de Arruda
singular&plural
3 min readJun 13, 2021

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Por Giulia Arruda e João Marcos Assis

Imagem: Reprodução/ Instagram @mckevin

No domingo, 16 de maio de 2021, algumas especulações começaram a surgir no Instagram de que algo havia acontecido com MC Kevin. Apesar dos milhões de seguidores, Kevin ainda não era conhecido na grande mídia. Por outro lado, sempre envolvido em polêmicas, o funkeiro era um assunto frequente nos perfis de entretenimento e notícias sobre famosos nas redes sociais.

Ao que tudo indicava naquele momento, Kevin teria caído da sacada de um hotel em que estava hospedado no Rio de Janeiro. A competição pelo furo causou um desencontro de informações e muitos questionamentos de leitores e fãs. O andar em que o cantor caiu, por exemplo, era uma incógnita. O Portal de Notícias G1 divulgou o acidente como uma queda da sacada do 11º andar. A colunista Fábia Oliveira, por sua vez, disse que Kevin caiu do 3º e, posteriormente, corrigiu para o 5º, após confirmação da polícia.

A necessidade de informar rápido abriu margem para que a apuração do caso não fosse completa e gerou contradições e incertezas, o que ao longo da semana foi se intensificando. A cada novo depoimento e desdobramento, novos questionamentos eram gerados e mais visibilidade na mídia o caso ganhava.

A busca por respostas era tão grande que as pessoas começaram a enviar vídeos do acidente para que os perfis de entreterimento replicassem, como aconteceu com a Gossip Do Dia. A página, com mais de 5 milhões de seguidores, fez uma cobertura completa do caso e chegou a ter cerca de 15 milhões de curtidas nos posts que fez ao decorrer da semana sobre a morte do cantor. Na segunda-feira, Gossip divulgou que recebeu um vídeo do momento em que o corpo do Kevin era resgatado, mas que não postaria por respeito à vítima e a família. O vídeo foi encaminhado para a polícia.

A partir daí, o sensacionalismo tomou conta de vez da cobertura. Os programas Cidade Alerta, comandado por Luiz Bacci na TV Record, e Brasil Urgente, apresentado por José Luiz Datena na Band, entraram em uma disputa por audiência e passaram a semana apurando a morte do MC.

Durante a transmissão, diversas pessoas foram ouvidas com suas confusas versões do caso sendo difundidas. Em entrevista à Record, durante o programa apresentado por Bacci, o pai do cantor conversou com a emissora diretamente do velório do jovem. As perguntas foram de cunho apelativo e insensíveis sobre o sentimento do familiar e sua parcela de culpa na situação que causou a morte do filho, a qual despertou extrema dor no momento de luto.

Em outro momento o jornalista entrevistava Ellen Bruno, irmã do artista. Durante essa conversa o programa teve grande repercussão no Twitter pelas inúmeras teorias criadas, sem qualquer fundamento, sobre as motivações de Kevin que o levaram à morte. A mais comentada foi o momento em que Luiz Bacci questionava incansavelmente se a menina acreditava que a última canção lançada pelo irmão revelava o plano do cantor de cometer suicídio.

Os dois jornais apresentavam informações e suposições que chegavam tanto pela apuração da reportagem, quanto pela divulgação dos telespectadores e outros portais de notícia menores com foco em entretenimento. Visando ao furo de reportagem, as informações e alguns relatos não passavam pelos processos necessários de checagem, os principais materiais eram de aplicativos de mensagem, detalhando versões da história que, após trabalho da perícia, foram descartadas. Uma narrativa destacada foi a de que o cantor tentou pular da sacada do quarto para a piscina. As motivações e os últimos momentos antes da tragédia foram publicados por grandes portais como G1, UOL e Metrópoles sem qualquer confirmação de veracidade dos fatos.

As autoridades seguem ouvindo depoimentos e analisando provas. Enquanto os fãs buscam respostas, a mídia sensacionalista busca visibilidade e se isenta da responsabilidade social.

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