O nostálgico trabalho jornalístico de Felipe Castanhari

Guilherme Pin
singular&plural
Published in
4 min readMay 29, 2018

Por Guilherme Pin e Victor Russo

É inevitável que o YouTube, aos poucos, vem transmitindo uma sensação de má qualidade. Não é para menos, o próprio site se utiliza de recursos para apresentar os conteúdos mais assistidos e nem todos acabam entrando no quesito de virtude, o que, para muitos produtores, torna-se algo negativo. Na categoria do “em alta” — justamente o recurso que o YouTube utiliza para mostrar o que há de mais sucesso no site — é encontrado de tudo. Trechos de novela, pegadinhas, fofocas de internet e vídeos com títulos exagerados a procura de views. Ultimamente, entre eles ficou mais difícil enxergar o “Canal Nostalgia”.

Criado em setembro de 2008, o canal de Felipe Castanhari, hoje, leva conteúdo para quase 11 milhões de inscritos em vídeos com durações longínquas comparado com a média de outros produtores de conteúdo. Obviamente, Castanhari não vive de vídeos de duas horas, há sim uma fuga com vídeos paródia, brincadeiras, animações, que fizeram parte de seu passado. “É uma mudança estratégica e uma mudança necessária. Hoje em dia tem muita molecada assistindo o YouTube, e preciso me comunicar com essa molecada.”, comenta em entrevista ao comediante Rodrigo Fernandes, no quadro “Não Fale com o Motorista”, em 2015. Mas o importante aqui, nesse momento, são seus produtos mais engajados e que fizeram Castanhari ser quem é. Muito singular, o canal foge dos padrões impostos pelos próprios produtores, e faz algo dele, não focando em visualizações ou tempo, mas sim, em conteúdo. Com longas biografias de figuras artísticas e análises de conteúdos passados e presentes, Castanhari se destaca num universo fútil. Mas por que ainda seu conteúdo não é reconhecido como um trabalho jornalístico?

Citado pelo professor Fábio Henrique Pereira, em sua dissertação sobre o jornalismo online, — de 2003 — o jornalista Adelmo Genro Filho comenta que o “jornalismo nasce e se desenvolve para atender uma demanda específica: a produção de um grande volume de informações”. Formado como designer — e com oportunidades perdidas como animador profissional — Castanhari não só está incluso nessas características, como é diferenciado naquilo que no jornalismo é chamado de “jornalista sentado”. Definido também na dissertação, esse estilo de profissional é o orientado ao tratamento dos textos de outros profissionais, mas aqui, o próprio cria e trata o texto. Não sozinho, Castanhari trabalha ao lado de uma equipe, tendo profissionais diferentes a cada estilo de vídeo, seja ele sobre ciência, história ou curiosidades. “Eu basicamente pego coisas que fizeram parte da minha infância e eu conto em forma de documentário”, diz o produtor ao comediante Danilo Gentili, no programa “The Noite”, há três anos. Olhando por este ponto, o próprio se reconhece como um produtor de um conteúdo jornalístico. Por mais que muitos dos temas sejam relevantes ao próprio Castanhari, consequentemente se tornam relevantes ao público. O jornalista Luiz Carlos Lucena define que a função do documentarista, no caso, passa a ser narrar a realidade que ele constrói, com suas inserções subjetivas. Apresentando as características, Castanhari é presente em todas, mesmo não sendo um profissional da área.

E não só como documentarista, — como o próprio, indiretamente, definiu-se — o produtor está encaixado em outro âmbito jornalístico, conhecido como ciências sociais. Como o já citado Fábio descreve, “até os dias de hoje, jornalismo e ciências sociais vão convergir na utilização de métodos de pesquisa análogos (entrevistas, pesquisa documental, etc.) e na escolha do objeto de estudo (a realidade social)”. A diferença, segundo ele, é que a ciência social acaba rejeitando alguns preceitos da produção jornalística, como o paradigma da objetividade, por exemplo. Paradigma esse que discute a dicotomia entre opinião e informação, que Castanhari equilibra bem em seus vídeos.

Como o próprio explicou, seu objetivo não passa a ser visualizações ou até mesmo dinheiro, tanto que o mesmo revelou chegar a investir quase R$30 mil para a produção de um vídeo, sem ao menos receber 10% de retorno. Por sua ideia ser produzir um conteúdo completo, ele mesmo explica: “minha meta é continuar me desafiando a fazer o difícil, em um lugar onde o fácil prevalece”, em um vídeo publicado há seis meses. Não para menos. Num “universo” em que vídeos vazios são publicados diariamente, com análises rasas, Castanhari se destaca em entregar um conteúdo completo e longo, mesmo com uma filosofia de que vídeos compridos não funcionam. Seu canal já trouxe biografias completas de grandes celebridades, como Michael Jackson, Silvio Santos e Ayrton Senna, além de trazer a atual situação de artistas distantes da mídia ou apresentar de formas simples, situações complexas — como os vídeos “Entenda a corrupção no Brasil de forma simples” e “Por que é impossível acabar com o Estado Islâmico?”. Analisar friamente seu conteúdo, é enxergar um grande potencial jornalístico. Não só pela longa pesquisa, mas também pelo engajamento com o público jovem, em conseguir, durante uma hora ou duas, prender a atenção do espectador com informações novas, relevantes e que também trazem a opinião do autor.

Em um cenário do ciberjornalismo, a comunicação passa a ser uma ferramenta fundamental, e o YouTube é cheio desses produtores, capazes de se comunicarem com uma grande massa, mas nem todos trazem conteúdo de qualidade e verdadeiro nessa comunicação. Fábio também cita o professor francês Denis Ruellan, que comenta sobre uma relação de interdependência entre as esferas dos comunicadores e dos jornalistas, com um complementando o outro, no cotidiano. No caso em questão, Castanhari passa a ser os dois. Por estruturar a pesquisa e comunicá-la posteriormente. Seu outro diferencial também está em fugir do parâmetro do ciberjornalismo, que envolve noticiabilidade rápida. Castanhari procura o desenvolvimento de um conteúdo completo e de seu agrado, mesmo que essa escolha prejudique em suas visualizações, tendo um ou dois vídeos a cada mês.

Com esses pontos, analisar o trabalho árduo de um Youtuber traz questionamentos sobre a diferença de jornalismo e entretenimento, e incluso nesse meio, Castanhari aparece no meio termo, já que mesmo produzindo um produto jornalístico, entretém. Mesmo sendo evidente, é preciso esclarecer que Felipe Castanhari não deve ser olhado como o exemplo de jornalista, mas é preciso, pelo menos, ser reconhecido, e isso está longe, já que a própria mídia do YouTube o vende como mero entretenimento e diplomas tendem a superar o conteúdo.

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