O poder de diálogo com o Jornalismo

O papel do leitor deixou de ser apenas o de ler

Maria Fernanda Mantovani
singular&plural
5 min readNov 22, 2018

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Por Maria Fernanda Mantovani, Renata Meyer e Gabriel Baliego Beleze

Não vale mentir: qual foi a última vez que você comprou um jornal para ficar sabendo das últimas notícias? Bom, se você não herdou dos seus avós o hábito de assinar seu jornal preferido para todos os dias recebê-lo em sua casa, a resposta provavelmente deve ser nunca! Até vovô e vovó já deixaram essa mania no passado, porque a tecnologia otimizou a experiência de se informar com o uso da internet, que: é dinâmica, ou seja, não precisa esperar até o jornal do outro dia para saber o que está acontecendo agora; é conveniente, dá para acessar de qualquer lugar; é globalizada, notícias do outro lado do mundo chegam em segundos; e ainda não enche a casa de papel que mais cedo ou mais tarde, vão parar no lixo.

Mas uma das maiores vantagens é a possibilidade de interação que o leitor possui. Paulo Freire, no final da década de 1960, elaborou o modelo de comunicação como Diálogo, que nunca foi tão atual como agora graças às potencialidades abertas pelas novas tecnologias interativas. Se o modelo pareceu inadequado para qualquer tipo de aplicação no jornalismo, ou seja, na “comunicação de massa”, que sempre carregou a fama de ser unidirecional e centralizada, hoje as novas mídias reabrem as possibilidades para um processo de diálogo mediado pela tecnologia.

Imagem retirada do site da Celesc

A internet facilitou o acesso à informação, e depois, as redes sociais proporcionaram uma difusão muito rápida de notícias, o que tornou o ambiente perigoso justamente pela rapidez com que tudo acontece. Soma-se a isso, a falsa ideia de anonimato que se tem por estar atrás de um aparelho eletrônico. Nesse nicho, a imprensa não é mais a única produtora de conteúdo, o público, que antes era apenas receptor, também passa a exercer esse papel. Há, então, uma desvalorização dos profissionais de comunicação e diminui-se a confiança nos principais veículos impressos. As pessoas sentem a falta do jornalismo como “quarto poder” e passam a falar por conta própria, independente e em vista de seus interesses.

O surgimento do espaço para “comentários” em veículos de comunicação também facilitou esse processo. A partir do momento que o público se torna capaz de mostrar sua opinião, ele é capaz de dialogar com as informações divulgadas pela imprensa e acaba se tornando também um emissor. Hoje, grande parte da população possui smartphones que facilitam fotografar e gravar vídeos com qualidade considerável. A partir daí, se desperta o interesse de protestar e se manifestar pelas redes sociais ou através destes comentários, onde se tem respostas e reações quase imediatas estimuladas pelo coletivo, pela facilidade de compartilhamento de publicações, e, enfim, uma rápida repercussão, um furo antes mesmo que a imprensa apure.

Um exemplo disso foi a matéria publicada pelo site da Folha de São Paulo na última quarta-feira (21): “Assessor de Viviane Senna será ministro de Educação de Bolsonaro”. Ela apontava o nome de Mozart Neves Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna, como futuro ministro do governo. Segundo fontes ligadas ao educador, ele teria sido procurado na semana anterior e aceitaria o posto após uma reunião na quinta-feira (22) com o futuro presidente eleito, quando seu nome seria oficializado. A notícia também saiu no site do Estadão, que antes de ser atualizada, recebeu comentários como: “Notícia velha baseada em fonte não verdadeira…O estadão não está checando suas fontes e produzindo fakes…O Bolsonaro desmentiu essa nomeação…Leiam o Antagonista, fonte mais confiável”, de José Sergio Bueno.

A divulgação da informação desagradou a bancada evangélica no Congresso. O futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), recebeu objeções dos parlamentares, e afirmou que nada havia sido definido, apesar de conversas com Mozart. O deputado Ronaldo Nogueira (PTB-RS), ligado à Assembleia de Deus, afirmou: “Não há afinidade ideológica. A bancada evangélica não vai respaldar um ministro que não tenha afinidade. Dois temas cruciais para a bancada são o Escola Sem Partido e a ideologia de gênero”. A partir disso, Bolsonaro postou em seu Twitter que “até o presente momento, não existe nome definido para dirigir o Ministério da Educação”. O Instituto Ayrton Senna divulgou uma nota esclarecendo: “Diferentemente do que vem sendo publicado na imprensa, Mozart Neves Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna, não foi convidado pelo novo governo para assumir o Ministério da Educação”.

A reportagem do Estadão, depois de atualizada para “Bancada evangélica reage a nome de Mozart Neves para o Ministério da Educação”, teve mais repercussão em seus comentários, que são abertos ao público por meio do Facebook ou e-mail. Sonivaldo Joventino da Silva criticou: “Notícia sem pé, sem cabeça! Se o cara não tem afiliação a nenhum partido, porquê a bancada evangélica é contra? Porque tem que ser um pastor ao inves de um professor? E como a bancada evangélica é contra se ninguém está ainda definido para ser ministro da educação? E quem disse que novo governo anda cotando alguém para o ministério da educação? Nunca li tanta especulação numa única matéria. Só para no final dizer que ainda não foi definido nenhum ministro para educação”.

Com base nas novas informações, a Folha também atualizou sua matéria, com a nova chamada: “Escolha de Bolsonaro para Educação causa crise com bancada evangélica”, movimentando os comentários da publicação, que, apesar de ser restrito para assinantes, muitos deram sua opinião, abrindo espaço para um diálogo. Sandro Oliveira de Carvalho comentou: “Nunca duvidei que evangélicos dominionistas tentariam exercer ampla influência sobre Bolsonaro. Se Bolsonaro ceder, ele ficará refém de um pessoal que acha que o Brasil deve girar em torno das ideias intolerantes deles. Eles esquecem que o Brasil é plural”, e recebeu 24 likes, demonstrando que outros assinantes também simpatizam com essa mesma ideologias. Isso é recebido em forma de likes, como a afirmação de Hercilio Silva: “Não é pra ser alguém especialização em educação? O cargo não é de ministro da Igreja”, com 37 likes. Já Nelson Prado Rocchi comentou: “Folha criando intrigas” e recebeu como resposta de Sandro: “Folha informando fatos, como é seu papel jornalístico. A leitura não é obrigatória”.

Cabe aqui, nesse novo universo, a capacidade do indivíduo de conseguir discernir o que é o correto, se vale a pena confiar em qualquer publicação pelo interesse que ela lhe desperta e o sentimento que alimenta. Existe um perigo muito grande entre o que é seguro e algo que alguém espera que seja real, mesmo que seja uma afirmação visivelmente duvidosa, mas que traga uma sensação de prazer pelo desejo de que aquilo seja verdade.

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