O sensacionalismo e o combate violento à violência

Como o jornalismo brasileiro é pautado em um senso de justiça que passa por cima de tudo e todos

Alice Rennar
singular&plural
3 min readApr 3, 2022

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Por Alice Rennar, Beatriz Kuabara e Estela Yamaguti

Será que nunca aprenderemos? Mais um dia, e mais um caso de uma escola infantil com denúncias de agressão. Vídeos perturbadores, pais chorando em frente às câmeras e fotos das supostas culpadas sendo espalhadas pela internet como se não significassem nada.

Na última semana, imagens de crianças amarradas e colocadas dentro de banheiros, dormindo no chão e outras acusações foram liberadas na internet, e a escolinha infantil Colmeia Mágica já tomou os holofotes dos jornais e programas televisivos brasileiros.

Informações pessoais da diretora acusada de promover violência contra os alunos foram espalhadas, os muros da escola foram depredados e o futuro da escola e de suas donas está incerto. Mas por que isso, se são apenas acusações e nada foi provado?

É característico da cobertura midiática e jornalística brasileira o uso e abuso do sensacionalismo em casos como esse. Violência infantil é coisa séria e deve ser tratada com muita importância, porém as consequências são sofridas antes do bater do martelo do juiz.

Crianças viram alvos de maus trautos em escola na cidade de São Paulo. (Fonte: Shopify; Crédito: Matthew Henry)

Trazendo fotos, dados, informações de doze anos atrás que de alguma forma fazem total sentido com o contexto atual, relatos de funcionárias que carregam grande certeza que foi a chefe quem agrediu as crianças, vídeos de pais desesperados pedindo justiça. Esse “jornalismo” apenas contribui para que a população se veja na posição de herói, vigilante, fazendo a justiça pelas próprias mãos, mas não somos todos inocentes até que se prove o contrário?

Os ideais básicos de objetividade, imparcialidade, complexidade, liberdade e pluralidade foram ignorados. Alguém entrevistou a diretora e perguntou seu lado da confusão?

Ninguém quer que a violência continue sendo perpetuada, que crianças sofram na mão de adultos ou que comunidades sejam prejudicadas. Porém, acusar sem provas concretas, vamos divulgar tais acusações como verdade absoluta e na hora de se retratar, adicionar uma nota no pé da edição, como se todos já não tivessem escolhido qual lado é o seu? Os fatos se repetem, e o mesmo ciclo de violência começa outra vez. Quem se lembra da Escola Base?

Foi em março de 1994 que os proprietários Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada tiveram suas reputações destruídas pela imprensa devido às acusações falsas de abuso sexual de crianças que frequentavam sua escola.

O caso da Escola Base consiste em vários fatores extremamente precipitados, em que informações falsas foram divulgadas ao público, comprometendo a vida dos funcionários. Além do comportamento impulsivo e irresponsável, a mídia da época não foi neutra ao articular títulos de reportagens como “Kombi era motel na escolinha do sexo” e “Uma escola de horrores”.

Reprodução: Notícias Populares

Ao comparar o caso atual com o caso de 28 anos atrás, é possível perceber muitas semelhanças entre como foram noticiadas e a reação pelo público. A neutralidade jornalística é um elemento essencial para impedir que os limites democráticos da autonomia sejam extrapolados. Nos dois casos, pela precipitação da imprensa e da polícia, as vidas das pessoas envolvidas na denúncia por violência foram prejudicadas pela falta de informações e pelas acusações sem que fossem ouvidos os dois lados.

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