Para a mídia, o infortúnio prevalece perante discussões de cunho social

Na noite do Oscar, tapa que Will Smith dá em Chris Rock ganha mais espaço na mídia do que as conquistas das minorias

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3 min readApr 8, 2022

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Por Victória Clemente

A festa mais importante da indústria do cinema em 2022 aconteceu no domingo, 27/3. Apesar do destaque dado pela mídia ter sido sobre um infortúnio em relação a uma agressão entre celebridades no palco do evento, indaga-se se existe um lado do jornalismo que levantou outras importantes questões deste Oscar: representatividade e visibilidade.

Colocou-se em prática, dentro da abordagem jornalística, a relevância por meio do interesse do público, o que gera mais audiência. A escolha mais óbvia é jogar luz sobre o tapa que o ator Will Smith deu no comediante Chris Rock, após este fazer uma piada referindo-se ao fato da atriz Jada Pinkett Smith, esposa de Will Smith, estar sem cabelos, por causa de uma doença. Porém, não deveria ser esse o momento em que o jornalismo usa sua influência para reforçar outros acontecimentos? Houve a vitória de Jane Campion como melhor diretora; o ganhador de Melhor Filme foi dirigido por outra mulher, Sian Heder; e dentre os vencedores havia pessoas com deficiência e de minorias étnicas.

Ao pesquisar “Oscar 2022”, as notícias principais apresentadas pelo Google são com a manchete “Will Smith agride Chris Rock no palco do Oscar”. As outras abordam os looks das celebridades, ou um resumo sucinto sobre os vencedores. A revista Veja, inclusive, tem destaque ao apontar “O ‘efeito Viagra’ do tapa de Will Smith no ibope do prêmio”. O conteúdo prioritário, desde o evento, segue sendo sobre esse acontecimento e isso é interessante ser reforçado, levando-se em consideração que a tendência atual da análise de conteúdo visa procurar “o significado implícito, o contexto onde ele ocorre, o meio de comunicação que o produz e o público ao qual ele é dirigido”, como diz Heloiza Golbspan Herscovitz no capítulo “Análise de conteúdo em jornalismo” do livro “Metodologia de pesquisa em jornalismo” (2008).

Imagem tirada da página “notícias” do Google.
Reprodução da página de notícias do Google.

Não é apenas em questão quantitativa que predominou o tema em questão, mas em análise qualitativa, também. A primeira, segundo Herscovitz, é a “contagem de frequências do conteúdo manifesto” e a segunda, a “avaliação do conteúdo latente a partir do sentido geral dos textos, do contexto onde aparece, dos meios que o veiculam e/ou dos públicos aos quais se destina”. Ou seja, em um contexto social e político que discute direito de minorias, em meio a uma premiação de suma importância que poderia trazer estes temas à tona, na escolha do conteúdo prevaleceu, como característica, o conflito que incita interesse do público.

Isso não significa, porém, que todos os veículos midiáticos tenham optado por dar esse destaque. A própria Veja conta com matérias de enfoque diferentes, como “Quem é Jane Campion, premiada melhor diretora pelo Oscar” ou “Troy Kotsur se torna primeiro homem surdo a levar um Oscar; conheça o ator”. Porém, essas ficaram longe de serem as matérias na seção de “Mais Lidas” no site. Percebe-se, portanto, o envolvimento entre necessidade de audiência e o fazer jornalístico, principalmente no modelo atual da profissão.

Jane Campion é a terceira mulher a ganhar o prêmio de Melhor Direção no Oscar — Foto: Getty Images

É interessante ressaltar o que diz o jornalista Rogério Christofoletti em seu texto “Quando é preciso ser parcial” (2012, p. 44): “as redações podem padecer de uma certa miopia sobre o seu papel na sociedade”. Se é papel do jornalismo “ficar ao lado da população”, como profere Christofoletti, é seu papel transmitir informação que possa promover diálogo e compreensão. Existem indagações sobre se o jornalismo torna algo importante em notícia, ou se a notícia transforma algo em importante. De qualquer maneira, vendo isto como relação intrínseca, é fato que para manter sua credibilidade a profissão deve dar enfoque ao que pode efetivamente causar mudanças positivas na sociedade e não apenas o que pode gerar uma curtida na sua publicação.

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