Para quem vale a vida?

Anderson Teixeira Barros
singular&plural
Published in
3 min readMar 27, 2018

O jornalismo segue torto, reproduzindo os erros que o mundo comete desde o início do valor de mercado

Por Anderson Teixeira e Diane Nascimento

Quais são os critérios que normalmente você, quando lê uma manchete, leva em consideração para clicar no link? O que você leva em consideração para assistir um jornal e não outro? Por que para você uma revista tem um peso maior do que alguma outra? Essas são questões que eu sinceramente nunca havia parado para pensar, mas muito tem a ver com a nossa forma de pensar, de agir, nas nossas crenças ou ideologias. Agora, no outro lado da moeda, temos a mídia que escolhe o que é interessante para que determinada notícia seja publicada. O que de fato chama a atenção e quem realmente pagará para ler aquilo.

Decidi começar a escrever fazendo essa reflexão porque das muitas das coisas que me incomodam são ligadas às parcialidades. É como você beneficia certos setores sociais e simplesmente esquece de alguns outros. Entre Marielles e Marianas, venho por meio deste falar sobre o descaso. Sim, o descaso.

Para exemplificar tal justificativa: “Explosão deixa mortos em Mogadíscio, na Somália — Nove pessoas morreram e sete ficaram feridas após explosão perto de hotel da capital somali”. Essa é uma das inúmeras manchetes do G1 no dia 22 de março de 2018. Agora, imagine, este mesmo cenário nos Estados Unidos ou na Europa. Acho que não preciso dizer muita coisa, afinal vivemos num mundo em que somos separados por uma linha imaginária que divide o norte ou o sul.

A Somália é um país em forma de nota musical que comporta uma orquestra de aproximadamente 14 milhões de instrumentistas. Ao longo de toda sinfonia, os seus sons pouco tiveram destaque. No mês de outubro do ano passado, foi alvo de um ataque terrorista que alcançou a infeliz marca de maior ataque da sua história. No Jornal Nacional do dia 16 deste mesmo mês, o episódio rendeu apenas uma matéria de 01’45’’.

Mulheres somálias durante cerimônia de entrega de um novo poço para a comunidade. O país sofre com a seca, a fome e a violência (fonte: wikimedia.org)

Não vim aqui levantar o dedo e apontar culpados. Vivemos num processo histórico e, todo mundo sabe que só por nascer branco e rico (de preferência na parte norte do mapa-mundi) já se tem incontáveis privilégios.

Uma boa frase para se exemplificar isso é por meio de um trecho do livro “Gostaríamos de informá-los que amanhã seremos mortos com nossas famílias” do jornalista Philip Gourevitch. Num determinado relato de um tutsti, eis uma das frases mais fortes (e infelizmente real) que provavelmente eu lerei na minha vida: “Você não pode contar com a comunidade internacional a não ser que seja rico, e nós não somos… Não temos petróleo, portanto não importa que tenhamos sangue, ou que sejamos seres humanos”¹. Este livro é uma obra que conta a história de um país quase vizinho da Somália, a Ruanda, e o massacre que matou cerca de 800 mil das 7,5 milhões da população em menos de cem dias, em 1994.

Pensar nisso é, no mínimo, depressivo quando se analisa a evolução do jornalismo e toda a produção de conteúdo. Nos deparamos com um mundo em que as grandes mídias seguem enxergando notícia como dinheiro, em que o jogo econômico e político é o fator de peso definitivo entre os critérios de noticiabilidade. Desde a Escola de Frankfurt, quando se falava muito em indústria cultural, essa visão já é associada a mídia. Ou seja, desde o início do século XX já se estuda, entre outras coisas, a notícia como uma mercadoria que privilegia o que é mais interessante para pessoas com maior poderio econômico e, desde então, quase nada mudou.

O jornalismo e a mídia agonizam, quando não vejo notícias que ignoram o que não dá retorno econômico, vejo notícias rasas e falsas, que querem defender ou embasar os pensamentos de alguma personalidade, como se fosse papel dos veículos prestar assessoria para políticos ou celebridades. Vivemos tempos difíceis, e não é de hoje. A imparcialidade já virou apenas uma ambição dos utópicos.

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