Pepe Escobar e o jornalismo cultural pé na porta
A quizumba jornalística da época em que podíamos falar mal
Por Marina Milhomem
“Aqui não falamos mal, só publicamos a respeito do que gostamos.” Eu, Marina Milhomem, que Deus me tenha, ouvi essa frase em uma redação. O que fizeram com o jornalismo cultural? Se os grandes veículos publicam sobre, praticamente, as mesmas coisas, e essas coisas lhes são queridas — por motivos os mais diversos — onde fica a variedade de pontos de vista? Nessas horas é importante lembrar de uma figura quizumbeira que fez do jornalismo cultural do início dos anos 80 um assunto muito mais interessante: Pepe Escobar. O homem responsável por colocar o rock’n’roll na Folha de S. Paulo, segundo ele mesmo.
A Folha sempre foi um jornal careta, mas houve uma época em que a Ilustrada era algo à parte. O grupo de jovens redatores com quem o jornalista dividia o espaço de trabalho era responsável por todos os dias colocar uma bomba na capa. Não à toa, Escobar já foi chamado de dono da verdade, ideólogo de danceteria, plagiador e até foi alvo de um grupo de roqueiros que foram até a rua Barão de Limeira, onde fica o veículo, com o intuito de atentar contra a sua vida. Nazi, da banda Ira, estava entre eles. O motivo? A crítica, pura e simplesmente. A opinião desvelada, essa tia velha que cospe enquanto fala e que evitamos convidar para o almoço de domingo.
No dia 5 de maio de 1985, um domingo de Ilustrada, a página do 7º caderno exibia o título em letras garrafais: “Questões de crítica e autocrítica — em quatro textos, algumas provas de que país em que ninguém critica se trumbica”. Ok, criticar já era uma questão à época, mas pelo menos se falava a respeito. O artigo de Escobar é o primeiro a começar o debate. “Para se exercer uma crítica a sério, neste país, o candidato deve ser antes de tudo — e literalmente — um pugilista”, afirma. E continua: “Não se pode mesmo falar de crítica consequente em um país onde os criticados sempre prefeririam sair com os críticos no tapa”. E ele estava falando por experiência própria.
O fim dessa história é que Pepe Escobar azedou de vez com o Brasil. Não quis mais descascar “esse abacaxi recusado por Deus”, nas palavras do próprio. Hoje em dia mora em Paris e muito provavelmente anda de mãos dadas à beira do rio Sena. Mas continua falando mal. Só mudou o alvo. A geopolítica é o assunto percorrido em seus textos hoje em dia, com aquela mesma veia ácida e adorável do Petrônio de sempre.
Por fim, é com tristeza e um idealismo infantil que afirmo acreditar ser uma das outras três pessoas do Brasil — as outras duas são do meu grupinho — que revira o arquivo da Folha para saber o que Pepe Escobar tinha a dizer sobre cultura ao fim da ditadura militar. O mundo é feito de linguagem. É possível medir muita coisa pela forma com que se fala de música ou de cinema, por exemplo. Leio as matérias atuais e posso quase sentir o cheiro de sabonete de quem tomou banho para falar de rock. Está cada vez mais impossível mudar o mundo a tiro. Os jornais não querem mais saber dos arranjadores de briga, mas dos diplomáticos que se dividem entre jornalista/produtor executivo/babador de ovo profissional. Dá para saber muito sobre a mídia de um país pela forma como ela trata seus incendiários.