Perigo: Exame Nacional do Ensino Médio sob vistas grossas

Julia Sampaio
singular&plural
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4 min readNov 23, 2018

Por Camila Moraes, Julia Sampaio e Mirela Lemos

Foto: Mirela Lemos

O último Enem além dos problemas que os alunos precisaram resolver ao longo das narrativas, a prova também trouxe impactos consideráveis no posicionamento político. Uma questão que pedia a resposta para dialeto, levantou polêmica pois a linguagem em questão era o pajubá, mais conhecido como dialeto LGBT.

Sobre a cobertura desse evento, neste artigo analisaremos as seguintes matérias: do jornal El País, “Nós vamos ter conhecimento da prova antes”, diz Bolsonaro sobre o Enem; e, da revista Veja, “Governo vai ‘tomar conhecimento’ do Enem antes da prova", afirma Bolsonaro. Nessa análise aplicamos o entendimento da comunicação como linguagem.

A matéria do El País, apesar de destacar como título a fala de Bolsonaro, é uma compilação da live feita por ele no Facebook. Vários textos, de diversos jornalistas estão na página, assim dificultando a navegação. O lide da matéria relembra da passagem dele por Brasília e destaca “voltou a sua forma habitual, com críticas ao conteúdo da prova do Enem do último final de semana e às universidades públicas”. A palavra ‘voltou’ dá sentido de que ele tinha parado momentaneamente e retornou a ser o que era, além disso a palavra ‘crítica’ vem com o sentido negativo assim intensificando uma imagem ruim.

Na parte em que a fala do presidente eleito sobre o Enem é analisada tem como subtítulo “Em live no Facebook, Bolsonaro volta a tom polêmico e diz que lerá prova do Enem antes de aplicá-la”, a palavra polêmico colocada em fervor o discurso e figura autoritário do protagonista em questão.

Apesar do subtítulo, a nota retrata outros temas abordados na live. Somente no segundo parágrafo é apresentado o assunto. A jornalista introduz rapidamente sobre a polêmica que uma questão do vestibular trouxe, pajubá, o dialeto LGBT, e na frase seguinte traz, e entre aspas, o discurso de Bolsonaro. Não foram usados fatos para rebater ou até mesmo reforçar a fala do presidente eleito entre as falas usadas no texto.

Na matéria da Revista Veja, logo na primeira frase “fez novas críticas nesta sexta-feira”, a colocação da palavra novas, deixa a entender que o presidente faz muitas críticas, deixando o leitor cansado, como se se perguntasse “qual é o problema agora?”. Desse modo o jornalista deixa transparecer o phatos, um dos Modos de Persuasão que incita os sentimentos e emoções do leitor, dentro do conceito de Linguagem de Venício A. de Lima, em seu livro Mídia, teoria e política.

Entretanto, essa única interjeição pode despertar diferentes tipos de sentimentos em diferentes pessoas. O que para um é massante, para outro pode ser agradável. Porém, independente da emoção que a matéria cativa no leitor, é o phatos que a incita.

Na matéria, o jornalista escreve que Bolsonaro fez sua colocação sobre o Enem através do Facebook. Isso faz com que o público se questione sobre a credibilidade da informação, e até do presidente. Que confiança uma nação tem num presidente que em vez de ir à um jornal anunciar sua postura diante de um assunto nacional, vai em suas redes sociais? Esse tipo de atitude apenas evidencia a falta de preparo de Bolsonaro como representante de uma nação.

Neste novo parágrafo, o jornal utiliza as palavras de Bolsonaro entre aspas no meio do texto, para deixar claro o tom ofensivo do mesmo para com a comunidade LGBTQI. Mais uma vez, o sentimento do leitor pode variar, enquanto o phatos é usado de uma só forma.

Em seguida, duas falas de Bolsonaro, que incita o phatos não com palavras como anteriormente, mas apenas por sua colocação na matéria. Primeiro uma fala se referindo à comunidade LGBTQI como “daquelas pessoas”, ou seja, com insignificância; e depois dizendo que elas são minorias que não interessam.

Nos dois últimos parágrafos a matéria esfria, apenas explicando como são selecionadas as questões do Enem, conceito explicado pelo logos, que utiliza a lógica para escrever.

Ambas as narrativas são ilustradas com imagens que aparentam deixar Bolsonaro sem palavras diante dos fatos, evidenciando por meio leitura corporal e perspectiva visual, a falta mais uma vez de apropriação sobre o assunto pautado.

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Julia Sampaio
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São Paulo. Jornalista. Apaixonada por livros, filmes e séries.