Por saltos (altos) no jornalismo esportivo

João Pedro Izzo
singular&plural
Published in
7 min readMay 29, 2018

Em um campo tão machista e com pouco espaço destinado às mulheres, elas cansaram da repressão e estão se posicionando com firmeza para driblar a falta de respeito e golear as atitudes que diminuem a mulher no jornalismo esportivo

Por João Pedro Izzo e Lucas Capeloci

13de março de 2018. Estádio São Januário, Rio de Janeiro. Começava a primeira rodada da fase de grupos da Copa Libertadores para o Vasco da Gama. Como de costume na maioria dos jogos de futebol, os torcedores vascaínos aglomeram-se ao redor do estádio. Cervejas, os famosos espetinhos e batuques que entoavam os cânticos pré-jogo, prenunciavam a noite de entusiasmo e alegria daquele ambiente, no aguardo da recepção de seus jogadores que iriam duelar logo mais naquela noite de terça feira.

Porém, nem tudo é festa, nossa vocação poética e emocional foge de si. Entra em campo o primeiro jogador que no lance inicial de jogo já merece cartão vermelho, o assédio. A repórter Bruna Dealtry, do canal Esporte Interativo, que mostrava justamente o clima que antecedia a partida, foi surpreendida em sua entrada ao vivo. “Ai!” gritou assustada. “Isso não foi legal, né, não precisava, mas aconteceu e vamos seguir o baile por aqui”, tentou a repórter contornar o infeliz ocorrido, após um torcedor tentar beijar sua boca à força. Em seu Facebook, Bruna repercutiu o caso e comentou que adora festa de torcida, não se importa com “banho de cerveja”, pisões no pé, torcedores pulando, que se deixa levar pela emoção e sentimento dos torcedores; mas ressaltou a sensação de impotência que diversas mulheres sentem nos estádios, exercendo sua profissão, ou até mesmo nas ruas.

Após inúmeros casos de machismo e assédio contra as repórteres e demais mulheres que trabalham com futebol, este incidente foi o estopim para o surgimento da campanha #DeixaElaTrabalhar nas rede sociais. Através de um grupo de cerca de 50 jornalistas mulheres de todo o Brasil, a hashtag ganhou muita força em poucos dias, por meio de um vídeo com alguns dos relatos já sofrido por elas.

De acordo com a página oficial da campanha no Facebook, é uma “iniciativa das jornalistas que trabalham com esporte. Contra o machismo, desrespeito e assédio nos estádios, ambiente de trabalho, redações, rede social e onde quer que aconteçam. Dessa vez, surgiu com o ganho (como se precisasse) de mais uma repórter assediada ao vivo, enquanto fazia a cobertura de um jogo de futebol.”

O link do vídeo da campanha é este: https://www.youtube.com/watch?v=6LnAqkKpKi8

Em entrevista ao site PurePeople, Bruna Dealtry, que iniciou o movimento, falou um pouco sobre a ação. “Isso acontece todos os dias, mas a gente não fala por vergonha ou por medo da exposição. Eu queria encorajar outras mulheres: primeiro, aqui na minha redação. Fizemos um grupo, depois foram entrando meninas de outras redações e, em uma semana, eram 50 jornalistas, aproximadamente. E começamos a produzir texto, vídeo, virando a noite para editar… Estamos aprendendo muito também!”, destacou a jornalista na época.

Bruna também explicou que, desde que começou a falar com colegas de profissão, foi ficando ciente de novos episódios em que o machismo era evidente. “Os homens, assessores, jogadores, colegas de trabalho, tem muito mais dificuldade em confiar no nosso trabalho do que se fosse outro homem”, ponderou.

“Campanha que mexeu muito comigo, porque nos sentimos muito sozinha nessa luta”, se entusiasma uma das participantes da causa, Fernanda Varela, repórter de esporte no Jornal Correio no Nordeste. Fernanda nasceu com o futebol. O caderno da Barbie, ou do Snoop, deu lugar ao do Bahia, seu time de coração desde a infância. Na intimidade de uma mulher, ainda mais quando criança, é muito difícil conviver sendo observada como alguém ‘fora da normalidade’ perante a sociedade. A baiana conta com frustração um dos casos que teve que lidar na sala de aula. Os dizeres são de seu professor na época: “Estranho, né? Menina que gosta de futebol”. Fernanda ainda relata que pessoas questionavam o fato de ela gostar de futebol, e seu irmão, na posição masculina, não ser muito ligado ao esporte. “Meu pai era meu grande companheiro, ele levava meu irmão, mas meu irmão sempre odiava, e aos três anos eu pedi para conhecer. Fui e não deixei de ir mais. Ele me ensinou tudo, já fui até de macaquinho com o joelho quebrado para o estádio”, comenta de forma alegre.

Formada em publicidade e propaganda e posteriormente em jornalismo, Fernanda Varela começou a estagiar no Jornal Correio em 2013, e após dois anos, foi contratada em definitivo. Seu sonho foi sempre seguir na área médica do pai, fazendo medicina no esporte, porém, após a morte paterna quando ela tinha 14 anos, isto a fez abandonar totalmente este desejo.

A repórter destaca que sua entrada no mundo do futebol foi natural e tranquila. “Eu sempre falo para o meu chefe que tenho orgulho de ser contratada por ser competente e não por ser mulher, de preencher cota, ou por ser a menina bonitinha, eu não gosto disso”. Apesar disso, ela sabe que por mais que exista uma conscientização sobre a participação e crescimento da mulher no futebol, alguns paradigmas ainda não foram quebrados neste âmbito. Expõe que sempre quando um editor entra na redação, e vai tirar alguma dúvida sobre o jogo, a questão é sempre direcionada a qualquer homem na mesa e nunca para alguma mulher. “Lembro de uma vez que estava sentada em uma mesa de esportes, sozinha, e aí chegou um editor de outra editoria e perguntou se ninguém de esportes teria vindo naquele dia. — Ai eu respondi: Prazer, Fernanda, repórter de esporte — ele ficou assustado, sem graça”, desabafa Varela.

Apaixonada por futebol, cachorros e também publicitária, ressalta a importância de uma mulher poder contar com a outra neste movimento e campanha. Destaca a troca positiva de experiências das profissionais que cobrem o futebol, onde se sentem abraçadas, ao contrário de desabafar com homens, por exemplo, que muitas vezes encaram como “mimimi” a reclamação. Contudo, destaca a importância de não se esconder diante de atos machistas e preconceituosos, dando o devido poder da voz feminina no quadro em que vivemos. “Eu já notei que quando as pessoas ouvem a gente falando palavras como: ‘vagabunda’, ‘piranha’, ‘você deveria voltar para cozinha’, elas se sentem impactadas. Às vezes quando a pessoa lê, passa batido, mas ouvir é muito forte”.

Por mais que cresça o número de mulheres dentro do futebol, este meio ainda não está totalmente preparado para acolher o gênero feminino. No Jornal Correio, Fernanda Varela trabalha como setorista do time do Vitória, cobrindo o dia a dia da equipe e jogos oficiais do clube, passando por algumas situações indesejáveis. A jornalista nos detalha um pouco da estrutura, ou falta de, no estádio do Barradão. Na área de imprensa, existem dois andares, um de rádio e outro da parte escrita. Ao final dos corredores de ambos os setores há somente banheiro masculino. Com pesar, a baiana confessa que não bebe mais água em dia de jogos devido a essa crítica situação. “Uma vez em que precisei ir, tinham 3 mictórios e uma baia fechada, fui na baia, e quando sai me deparei com dois colegas fazendo xixi. Tive que sair olhando para cima. Foi extremamente desagradável para mim e para eles. Depois disso nunca mais fui”.

Após relato ao presidente do Vitória, Ricardo David, Fernanda informa que houve uma solução ‘tampão’ para o caso, em que as mulheres usam um banheiro para dirigentes, num piso superior das rádios, amenizando um pouco a situação, porém, não se trata de uma solução definitiva. O atual gestor ainda confessou em conversa com a repórter sobre a fase que o futebol brasileiro vive em relação ao tratamento a mulher: “Nanda, infelizmente o futebol não foi pensado para mulher, a estrutura do Barradão não foi pensada para mulheres, e o mundo mudou, a gente vai tentar reestruturar isso”.

A campanha #DeixaElaTrabalhar tem um ideal brilhante. Além da entrevista feita acima, os depoimentos de Bruna Dealtry e a página na rede social Facebook nos mostram a voz de mulheres que querem se sentir ouvidas e, acima de tudo, respeitadas. Houve repercussão em vários países e foram gerados debates, propostas, ideias. Tudo que queríamos.

Obviamente que nem elas nem ninguém gostaria de ouvir o aumento do assédio nesta área existe. Mas. se há algo proveitoso deste triste fato, é a constatação de que existem mais mulheres trabalhando no ramo, buscando sua independência própria. De fato, possuímos progresso (mesmo que seja muito pouco).

No entanto, passados mais de dois meses do início da campanha, observa-se um enfraquecimento, tanto na propagação das idealizadoras, quanto na proporção do tema nas mídias sociais. É fundamental manter-se forte e atuante, pois quanto maior o número de denúncias feitas por ela, por episódios marcantes e tentativas de manifestação das mulheres neste âmbito, melhor é para elas, para o movimento e para todos os que se importam com a imagem que as mulheres merecem na mídia.

Como a campanha pretende dizer e passar, #DeixaElaTrabalhar, deixa ela fazer o que quiser, se assim quiser, se assim decidir; deixa ela ser chefe de redações, multinacionais, macro e microempresas, deixa ela se ser dona do mundo, pois o mundo pertence à elas.

E a conclusão é que o crescimento e desenvolvimento individual gerará ganhos coletivos: e a vitória será de todas.

Referências bibliográficas

´Deixa Ela Trabalhar’: jornalistas se unem em campanha contra o assédio. Entenda!. 2018. Disponível em: <http://www.purepeople.com.br/noticia/-deixa-ela-trabalhar-campanha-contra-assedio-reune-jornalistas-saiba-mais_a221454/1>. Acesso em: 28 maio 2018.

Página da campanha no Facebook. 2018. Disponível em: <https://www.facebook.com/deixaelatrabalhar/>. Acesso em: 28 maio 2018.

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