Por um jornalismo a serviço das verdades

Júlia Firmino
singular&plural
Published in
5 min readMay 28, 2018

Por Júlia Firmino, Lana Nunes e Peterson Prates

Talvez a única unanimidade de uma análise de conjuntura atual é reconhecer que há uma chuva de notícias falsas, espalhadas da esquerda a direita, e que interferem no jogo político e no acirramento da polarização.

As notícias falsas, chamadas fake news, circulam pela internet e se disseminam com muita facilidade. Elas parecem ser verdadeiras, e por conta do alto fluxo de notícias que circulam diariamente, fica difícil saber o que é verdade ou não.

Segundo uma pesquisa realizada pela Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), a possibilidade de uma fake news ser compartilhada é 70% maior do que a de uma notícia verdadeira. Foram 11 anos analisando postagens feitas no Twitter e pelo menos 126 mil reproduzidas. Número expressivo e intensificado pelo uso das redes sociais.

A internet faz parte deste fenômeno e é uma das maiores ferramentas utilizadas para propagar notícias falsas. As redes sociais trouxeram a facilidade de replicar as notícias, com apenas um clique, a rapidez do compartilhamento das notícias supera a produção das mesmas.

As informações veiculadas pelas fake news seguem um padrão, geralmente elas utilizam artifícios para chamar atenção do público reforçando algum ponto de vista. Elas também apelam para sentimentos que podem ser levados ao extremo. Notícias que buscam atingir o público desta forma sempre terão altos índices de compartilhamento, por partilharem fatos e histórias que condizem com o posicionamento do público. Este é um exemplo clássico em notícias que envolvem política.

Um dos casos de fake news no Brasil, que chamou a atenção pela crueldade e pela quantidade de ódio disseminado foi o do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL-RJ), onde diversas “notícias” falsas e difamatórias foram replicadas com o objetivo de atacar a imagem da vereadora associando ela aos bandidos, como uma forma de justificativa — que não existe — para o que aconteceu.

Não podemos negar que boatos e notícias falsas existem no meio político desde sempre, como já dizia Joseph Goebbels, coordenador de propaganda do regime nazista: “uma mentira repetida mil vezes se torna verdade”. Hoje, as fake news se transformaram em estratégia político-eleitoral e, aliás, prometem ser decisivas nas eleições 2018.

Dessa forma, podemos observar que uma das premissas do jornalismo, a de apuração dos fatos, se quebra quando boatos que agradam aos ouvidos da população circulam com mais fluidez e mais rapidez. Entretanto, como a mídia tem se posicionado sobre as fake news? A população sabe diferenciar um boato de uma notícia?

A respeito da imprensa, além de poucas alternativas independentes de checagem de fatos e diversos artigos que se preocupam em desmentir fake news — que não chegam nem perto do alcance do boato — a imprensa parece determinada a ignorar o acontecimento.

A Folha de S. Paulo, há poucos meses se retirou do Facebook por não concordar com a nova política de algoritmos que não mais favorecem as páginas e, sim, os perfis pessoais. O diário justificou que essa política favorece a proliferação de notícias falsa em detrimento do reconhecimento do jornalismo profissional. Podemos observar que o ‘ame ou deixe’ também vale para a internet e os grandes conglomerados de mídia que ainda não aprenderam a lidar com o fenômeno. Entretanto, isso, de maneira nenhuma, afetou o compartilhamento de fake news.

Quanto ao público, a polarização política é espaço adequado para a proliferação de notícias falsas, que em sua linguagem e, sobretudo, aparência se assemelha muito a uma notícia real e que, ainda por cima vai de encontro aos desejos do leitor. Outro agravante é que as notícias acabam sendo compartilhadas por pessoas próximas, especialmente em grupos de whatsapp, o que aumenta a credibilidade do boato.

É bom que se recorde que as fake news não nasceram agora. Sempre existiram e já, há bastante tempo, ocupavam as redes sociais com perfis falsos e blogs militantes. O assunto se tornou assunto global depois das notícias falsas influenciarem, em cheio, as eleições norte-americanas que elegeram Donald Trump como presidente. Não seria mentira dizer: o Presidente das fake news, seja por adorar esse bordão para falar de notícias — muitas vezes verdadeiras — contra ele, ou então, por espalhar em sua conta no twitter inúmeras notícias falsas.

Com tudo isso, até mesmo o Papa Francisco entrou na onda do combate a fake news. Por ocasião da celebração do 52º Dia Mundial das Comunicações Sociais escreveu uma mensagem intitulada “A verdade vos tornará livres — Fake news e jornalismo de paz”. No texto o pontífice pede um “jornalismo sem fingimentos, hostil às falsidades, a slogans sensacionais e a declarações bombásticas; um jornalismo feito por pessoas para as pessoas e considerado como serviço a todas as pessoas”.

Parafraseando a quase milenar oração de São Francisco apresenta caminhos para a superação das fakes news e implora que “onde houver sensacionalismo, fazei que usemos sobriedade”, em referência ao que chama de ‘lógica da desinformação’.

Estar em pauta a questão da proliferação das notícias falsas não significa que soluções estão sendo colocadas na mesa de debate. Muito pelo contrário, o debate mesquinho sobre as fakes news só visa identificar seus autores e provar as intenções políticas por trás de tudo isso.

Enquanto isso, a discussão sobre a ampliação do direito à informação fica ausente da pauta. Não há possibilidades de acabar com o fenômeno da fake news sem antes comprometer-se com a liberdade de expressão. Para garantir uma verdadeira liberdade de expressão, pluralidade de vozes e opiniões e o acesso universalizado a informação é necessário destruir a concentração da mídia.

Devemos conceituar fake news como algo mais amplo que boatos, notícias mentirosas ou sensacionalistas. A omissão de informação, o direcionamento único e a aglomeração de veículos com grandes grupos com interesse econômico e político.

É evidente que não basta democratizar os meios de comunicação, mesmo sendo urgente, é necessário regionalizar os veículos. Na maior parte das cidades do país, o “jornalismo local” é precário e subsidiado pelo comando político local. Há um modelo prioritário de jornalismo: a comunicação pública. Muito diferente também da comunicação estatal. Com conselhos administrativos eleitos, com mandatos e uma estrutura que incentive a participação.

Um sistema democratizado de concessões de TV e Rádio, aliado às demais urgências citadas, vai construir o caminho do jornalismo que temos para o jornalismo que queremos. A cultura da mentira gera lucro. É, antes de tudo, conceito político.

Por fim, uma educação que incentive a pluralidade, que esteja à serviço da verdade e eduque para a paz pode ser uma grande aliada. Isso não significa ter uma educação e um jornalismo bonzinho, pacifista, mas consciente de sua função social para a transformação da ordem atual. A verdade transforma. Basta o jornalismo abrir caminho para todas as verdades.

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