Quais os riscos da cobertura jornalística ao dar visibilidade apenas à guerra vigente

Como a guerra da Rússia com a Ucrânia afeta a cobertura de outras guerras que acontecem simultaneamente no mundo

Camila
singular&plural
3 min readApr 7, 2022

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Por Camila Depane, Giovanna Gravina e Júlia Lara

A cidade de Kiev devastada após explosão— Fonte: Pexels

No dia 23 de fevereiro deste ano, foi dado início à Guerra na Ucrânia, quando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ordenou que as tropas do Exército russo invadissem o território ucraniano. Desde então, a imprensa, de modo geral, se voltou por completo para noticiar os acontecimentos da guerra e atualizar a população.

O trabalho da mídia em comunicar os fatos da guerra atende um dos muitos valores jornalísticos, que é o interesse público, já que o mundo todo necessita saber o que está acontecendo no país europeu. Mas, vale lembrar que, neste tempo presente, existem outros países em conflito.

Segundo a CNN Portugal, a Ucrânia possui uma das principais economias do Leste Europeu. O questionamento que fica é se isso é levado em consideração ao determinar uma cobertura jornalística, por questão de engajamento ou o interesse do público, já que os outros países em guerra são menores economicamente.

Em uma matéria publicada pela CNN em março deste ano, são citadas guerras ativas além do território ucraniano. Um exemplo disso, é a tensão vivida na Etiópia entre o governo central e a região de Tigray, que existe desde 2018, e que no final de 2020 o primeiro-ministro ordenou uma operação militar contra a Frente de Libertação Popular Tigray (TPLF). Esse conflito regional perdura até hoje, com um grande número da população sendo morta e vivendo dias de caos, mas pouco se é reportado pela imprensa mundial.

O Jornal do Comércio do Rio Grande do Sul fez uma reportagem citando a guerra na Síria, e, de acordo com a publicação, no dia 15 de março deste ano, quando o conflito completou 11 anos, mais de cinco mil sírios protestaram nas ruas com bandeiras e rostos pintados pedindo pelo fim dos conflitos, cujo início se deu no contexto da Primavera Árabe em 2011. Eles também manifestaram e ressaltaram o seu posicionamento pelo fim da guerra na Ucrânia, com esperança de que a visibilidade do conflito ucraniano abra os olhos para o que acontece na Síria há tanto tempo, que já matou mais de 500 mil pessoas no país. Conflito de interesse público, no entanto, com a falta de pluralidade e muitas vezes pela falta de apoio daqueles que detém o dinheiro que sustenta os veículos de imprensa, passam a cair no esquecimento e deixam de ser noticiados.

Nesse sentido, a jornalista Jéssica Tamyres dos Santos, da Ponte Jornalismo, em palestra ministrada na Universidade Presbiteriana Mackenzie em março deste ano, falou sobre racismo estrutural e explicou que é responsabilidade dos veículos de imprensa o modo como são abordados os conflitos na Europa e na África, a partir do momento em que o material coletado é somente de uma agência de notícia que já tem determinado posicionamento. “É uma disputa de narrativa. Guerra significa também quem tem o controle da narrativa”. Dito isso, é inegável que existe um racismo estrutural na mídia global, visto que os jornais focam nas grandes potências mundiais, como é o caso da Rússia. Devido à preocupação com o engajamento e a repercussão das notícias, a imparcialidade é deixada de lado pelos veículos de comunicação, que têm como papel principal apenas noticiar os fatos e mostrar todos os lados da narrativa, sem qualquer tipo de posicionamento. Não somente isso, mas também pela falta de empatia com os países africanos. Portanto, seja qual for a guerra, são vidas perdidas, ainda que as potências tenham um maior nível de reconhecimento mundial.

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