Qual o papel do jornalista na era da pós-verdade?
Por Deisi Gois, Luiza Lorenzetti e Rafaela Frigerio
A Constituição brasileira de 1988 garante que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença” (Artigo 5º, inciso IX). Estabelece-se, portanto, a inexistência de censura como um dos direitos e garantias fundamentais do cidadão. Dessa forma, a Constituição assegura como direito individual e coletivo a livre manifestação do pensamento.
Segundo Pires (2017), a liberdade de expressão “é uma forma de proteger a sociedade de opressões”, uma vez que se estabelece como um dos pilares das sociedades democráticas.
Com a hipermodernidade e a difusão da Internet, estabeleceu-se a possibilidade de cristalização das bolhas virtuais no meio físico. A cultura da web permitiu a fomentação de organizações em rede, o que pode tanto contribuir socialmente para o diálogo entre os usuários como também pulverizar qualquer possibilidade de discussão.
As mídias sociais auxiliam no bloqueio de qualquer conteúdo contrário às crenças e valores do usuário, suscitando a consolidação de verdadeiros currais virtuais. Nestes espaços, a intolerância e o desrespeito são constantemente mascarados pelo princípio da liberdade de expressão. Porém, o Artigo 5º da Constituição também assegura a inviolabilidade do direito à vida, à intimidade e à honra de cada indivíduo.
Com o processo de globalização iniciado com o fim da Guerra Fria, o mundo encarou pela primeira vez o desaparecimento das barreiras físicas. Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) indica que mais da metade dos domicílios brasileiros já tinham acesso à Internet a partir do ano de 2014. A pesquisa também prevê que, a cada cinco casas, quatro utilizam smartphones para se conectar à Internet, o que auxiliou na inclusão nos últimos anos no país.
Com a disseminação da Internet, disserta-se sobre a democratização promovida pelo espaço virtual ao acesso à informação. Ainda assim, as comunidades digitais tendem a produzir conhecimento fragmentado e especializado, o que, eventualmente, resulta no aparecimento de uma “aldeia global” — denominação de vanguarda de Marshall McLuhan (1972) desenvolvida na década de 1960 para designar a padronização cultural e de ideias pelos veículos de comunicação de massa.
Muitos teóricos debatem a respeito do caráter epistemológico do jornalismo. Faz-se necessário, portanto, relativizar o papel do jornalista enquanto produtor de conhecimento e, posteriormente, como personagem social capaz de moldar a opinião pública. Segundo o professor de comunicação Francisco José Castilhos Karam em matéria para o “Observatório da Imprensa”,
a relação Jornalismo e Conhecimento implica, de um lado, discutir se o jornalismo produz conhecimento próprio ou dissemina o conhecimento de outras áreas do saber e de centros do poder, macro ou micro. A relação Jornalismo e Conhecimento implica saber se existe, ainda, um ethos profissional com dimensão técnica, ética e estética. E se os valores históricos, sobretudo a partir da Modernidade e do século 20, permanecem como válidos no século 21, e no cenário ciberespacial, das redes sociais, do jornalismo das fontes, do chamado jornalismo cívico, comunitário e cidadão.
O jornalista — seja atuando como repórter ou como editor — deve trabalhar como um “selecionador” em meio a tantos estímulos de informação: o conteúdo jornalístico será valorizado conforme sua hierarquia no veículo (mais espaço ou local de destaque nas mídias impressas e mais tempo nos veículos multimídia). Além disso, o jornalista tece ao longo de todo o processo jornalístico triagens deliberadas a fim de atribuir valor aos acontecimentos, revelando sua opinião enquanto gerente ou transmissor da informação e a linha editorial do veículo em que trabalha.
Assim, a prática jornalística replica continuamente padrões de manipulação — sejam eles de ocultação, fragmentação, indução, inversão ou padrão global. Esta manipulação pode ser promovida de forma espontânea — como resultado orgânico do próprio trabalho de edição — ou como ferramenta de manobra e indução política, econômica, cultural e ideológica.
Na era da pós-verdade e das fake news (em especial após o escândalo envolvendo o vazamento de dados de usuários da rede social Facebook pela Cambridge Analytica a fim de manipulação a opinião pública para fins políticos), faz-se necessário questionar a construção de consensos para a fomentação da democracia — social, política e de informação.
O apelo emocional e as crenças pessoais são utilizados como verdades absolutas para criar burburinhos virtuais com pouco ou sem nenhum compromisso com a verdade.
O jornalista tem a obrigação ética de reestruturar seu trabalho de apuração para que nenhuma informação falsa seja publicada, mas também precisa atentar-se a tais movimentos sociais, ainda que contrários a suas próprias crenças e ideologia, com o intuito de possibilitar a pluralidade de vozes e opiniões em suas reportagens e manter a neutralidade da rede online.