Fotografia de Jamie Street no Unsplash

Quando a mídia é menor do que o tiozão do Zap

Ludmila Vilaverde
singular&plural
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5 min readMay 29, 2018

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Sozinho, um simples aplicativo de mensagens já ultrapassa o poder da mídia — digital ou impressa. O que isso tem a dizer sobre o jornalismo?

Por Ludmila Vilaverde

Se até pouco tempo atrás a grande preocupação dos jornalistas eram as bolhas algorítmicas das redes sociais, que ajudavam na difusão de fake news, a nova pesquisa da USP, divulgada no mês passado, deu início a uma nova “caça às bruxas”.

Segundo um levantamento do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP), o maior vetor de notícias falsas do país é ninguém menos que o aplicativo mais utilizado pela população: o Whatsapp. E pior: entre os responsáveis por propagar mentiras estariam como principais os grupos de família (51%) e de amigos (32%), aqueles em quem mais se confia.

O poder da “bolha algorítmica” agora ultrapassou as redes sociais, ingressando à esfera dos círculos sociais. Mas o que dá tanto poder ao seu tio que compartilha boatos mirabolantes sobre a Pabllo Vittar no Whatsapp, e tão pouco poder aos grandes veículos midiáticos, que teoricamente teriam uma credibilidade já estabelecida e grande poder de disseminação de notícias?

Agora o poder do Whatsapp (assim como Pabllo Vittar) foi longe demais! Imagem acima circulou no Whatsapp acompanhando o boato que a cantora estamparia notas de 50 reais.

Bom, a “palavra do ano” de 2016, pós-verdade, nunca foi tão atual como agora — e explica as possíveis causas para o crescimento das fake news. Segundo a Universidade de Oxford, pós-verdade é:

Relativo ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais

Segundo pesquisas recentes realizadas nos Estados Unidos, 59% dos leitores só lêem as manchetes das notícias, e compartilham sem saber o que o corpo do texto diz, sem se preocupar com em verificar a veracidade do conteúdo. 25% dos leitores não conseguem distinguir notícias falsas das verdadeiras e, mesmo quando sabem, ainda acham válida a propagação das informações mentirosas.

Então, o que vale é compartilhar o que fortalece a sua “opinião” em detrimento da verdade factual, um comportamento comum e totalmente ideológico, ideia reforçada por Eugenio Bucci no fórum “O papel da mídia brasileira na era da pós-verdade”, realizado no ano passado. Porque, atualmente, o que importa, é a validação. Seja ela de outros meios, que publicam as mentiras, e dos amigos e familiares, que concordam com a opinião ou ideologia que a “notícia” reforça e ajudam a compartilhá-la.

E isso não é nada novo. Carlos Eduardo Lins e Silva, também no fórum em que participou Bucci, afirmou que a disseminação de notícias falsas sempre aconteceu, só que agora temos os recursos para tornar isso não só viável, como extremamente poderoso.

Então, se a pergunta era “o que um completo leigo com Whatsapp na mão têm que o jornalismo não tem?”, a resposta é clara: uma ferramenta simples, de custo quase zero, e com capacidade de disseminar notícias rapidamente e com grande abrangência, sem qualquer recurso para verificação.

Neste ponto, acredito que McLuhan tenha total razão. A tecnologia nada mais é do que uma expansão do ser humano, tanto no sentido expressivo e sensorial. E isto é o que me preocupa, porque somos máquinas incessáveis de busca por aprovação guiadas pelo medo.

O poder do medo

Não são só as fake news, um dos maiores dilemas do jornalismo contemporâneo, que foram amplificados pelo mensageiro.

Sabendo que o medo é um grande motivador, a mídia já utilizava esse mecanismo para manipulação e amplificação de seu alcance — intencionalmente ou não.

Agora, a sensação de medo e de pânico se propagam com ainda mais intensidade quando a responsabilidade de fabricar a notícia passa para as mãos da ideologia que irá sustentar a informação.

Fotografia de Christian Wiediger no Unsplash

No caso da febre amarela no Brasil, a falta de posicionamento da mídia em relação à necessidade de vacinação até o último momento, somada ao não pronunciamento de órgãos de saúde oficiais ajudaram na propagação de grupos de antivaxxers (anti-vacina) no país e, consequentemente, notícias falsas sobre os possíveis riscos da vacinação, que incluiriam falha dos rins e morte.

Também vimos isso acontecer em notícias relacionadas à greve dos caminhoneiros, que acontece agora em maio. Publicação de informações como a falta de alimentos em supermercados abriu espaço para que boatos exagerados no Whatsapp se multiplicassem exponencialmente — levando cada vez mais pessoas ao supermercado com a intenção de estocar comida, água e outros mantimentos, sem qualquer necessidade.

O pânico é um dos instrumentos, se não o mais eficaz, de retroalimentação do sistema que permite que essa desinformação continue existindo e se proliferando — como um vírus. Vencendo o medo, seria possível vencer também as fake news. Mas isso só é possível com informação. Está aí o paradoxo a ser resolvido pela mídia.

“Pai, não estou com sono. Me conta um paradoxo para dormir?”. Imagem original de Gunshow Comic.

E a mídia?

Por outro lado, a mídia, que deveria atuar ativamente na mediação desses conhecimentos, têm sido ineficaz na batalha contra as fake news e o mau-caratismo.

Se o poder do Whatsapp está na sua simplicidade, a grande mídia não pode depender da complexidade das emoções humanas, tais como necessidade de aprovação, reconhecimento de erros e ideologias.

Apesar de ter sua credibilidade questionada publicamente ser um medo motivador, os mentirosos de plantão não deixam de compartilhar notícias falsas. Afinal, eles pouco se importa se são reais e, mais importante que isso, tem apoio de quem pensa como eles.

Por isso, a propagação de agências de verificação, como as que vemos surgir no Facebook, não é suficiente para conter o poder crescente das mentiras nos aplicativos de mensagens.

Se a real intenção dos veículos de comunicação é vencer a mentira, é preciso estar onde as pessoas estão (como a própria tecnologia causadora do problema), ser acessível e se reiventar — despertando uma nova necessidade de aprovação, onde o que guia o compartilhamento de informações é a verdade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GRAGNANI, Juliana. Pesquisa inédita identifica grupos de família como principal vetor de notícias falsas no WhatsApp. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-43797257>. Acesso em 20 mai. 2018.

MENA, Fernanda. Especialistas discutem conceitos de ‘verdade’ e ‘pós-verdade’ no jornalismo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/04/1872684-especialistas-discutem-conceitos-de-verdade-e-pos-verdade-no-jornalismo.shtml>. Acesso em 20 mai. 2018

MCLUHAN, Marshall. A Galáxia de Gutenberg. Companhia Editora Nacional: 1972, São Paulo. Disponível em: <https://monoskop.org/images/0/00/McLuhan_Marshall_A_galaxia_de_Gutenberg_A_formacao_do_homem_tipografico_1972_BR-PT.pdf>. Acesso em 21 mai. 2018

NAVARRO, Victoria. Cresce consumo de notícias via apps de mensagens. Meio e Mensagem, 2017. Disponível em: <http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2017/07/06/cai-consumo-de-noticias-via-midias-sociais.html>. Acesso em 24 mai. 2018.

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