Quando o medo supera o comprometimento, a verdade se torna incompleta

A difícil missão daqueles que querem expor sua paixão com responsabilidade e informação

Vito Santos
singular&plural
3 min readNov 22, 2018

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Por Alan Mendes, Nicholas Montini e Vito Santos

Ser jornalista esportivo no Brasil não é fácil. Um dos maiores dilemas da profissão é o de expor, ou não, seu amor pelo clube de coração. Mas, em território nacional, declarar torcida por um time é superar o medo de ser cobrado na rua para ter comprometimento com o cargo que exerce. Comprometimento e coragem que poucos na imprensa têm.

Jornalismo não é só informar, jornalismo é contextualizar. É imprescindível que o jornalista tenha a liberdade de dizer o clube que, desde pequeno, leva no peito, como a grande maioria da população brasileira. O medo nunca pode ser maior do que a vontade e o comprometimento de expor a verdade.

Muitos defendem a ideia de que o jornalista, ao declarar sua torcida, perde toda sua credibilidade e acaba tornando sua rotina mais difícil, pois todos os seus comentários serão abafados pela crítica, chamando-o de parcial. Mas, já não é isso que acontece? A diferença é que, não sabendo o clube do comentarista, o público atribui a ele uma torcida diferente a cada rodada. Ninguém mais se interessa pelo comentário em si, e sim se existe, ou não, uma torcida pessoal por trás disso.

Temos diversos casos de jornalistas que declararam o seu apoio por um clube e que já sofreram algum tipo de represália, mas acreditam que essa decisão torna a relação entre o profissional e o fã mais sincera.

Mauro Beting vestindo expondo seu amor pelo Palmeiras (Torcedores.com)

O comentarista do Esporte Interativo, da Rádio Jovem Pan e blogueiro do UOL, Mauro Beting, é um dos mais famosos jornalistas que assumiram o seu time. Beting é torcedor do Palmeiras fanático, tendo escrito livros e participado de palestras sobre a agremiação palmeirense: “Não há problema algum. E fico ainda mais feliz com mais gente saindo do armário com a camisa do clube. E por cima. Não por baixo. Vamos assumir! Para podermos ser mais cobrados. Quanto mais transparente formos, mais isentos poderemos ser. Quanto mais realistas formos, mais independentes seremos”.

Mauro Beting, Juca Kfouri e José Trajano são grandes exemplos de jornalistas que expuseram desde o início de suas carreiras uma torcida pessoal e, hoje, são um dos mais respeitados do Brasil, tanto pela imprensa, quanto público em geral. A torcida corintiana respeita o palmeirense Beting, a torcida são-paulina respeita os comentários do corintiano Juca e a torcida do Flamengo respeita as opiniões do americano Trajano. Isso porque desde o início do relacionamento imprensa-torcedor desses três nomes, existe um compromisso com a verdade e o respeito por sempre assumirem aquilo que sentem.

Declarar amor por algum clube não interfere no profissionalismo do jornalista, pelo contrário, deixa o torcedor de um clube carioca, por exemplo, tranquilo com os comentários de um jornalista gremista, por não passar em nenhum momento pela cabeça do torcedor que aquele profissional está comentando apenas com o coração.

Juca Kfouri fala sobre Corinthians (Museu da Pelada)

Entretanto, no Brasil, o jornalista se sente ainda mais em dúvida do que em outros países, simplesmente pela questão da sua segurança e de seus familiares. A violência no futebol é um problema que a segurança pública não consegue solucionar há décadas, e até por isso decisões radicais foram tomadas para evitar brigas entre torcedores rivais, como a torcida única em clássicos paulistas.

Partimos do principio de que todos que trabalham na imprensa esportiva amam o esporte, ou pelos tem uma relação próxima a esse universo. Na maioria dos casos o jornalista esportivo cresce torcendo por algum clube que o fez criar afeto e paixão com o esporte.

Ao ocultar qual é este time ele está apenas gerando dúvidas daquelas pessoas que não concordam com sua análise. Se estiver criticando, é porque torce pelo rival. Se estiver elogiando, é porque torce pelo clube e está falando com sua razão comprometida.

Em 2018 essa dúvida não precisa mais existir. O jornalista deve ter o direito de expor seu clube do coração e ainda assim exercer sua profissão com tranquilidade. Não é isso que irá indicar se ele é um bom jornalista ou não. O bom jornalismo está, além de tudo, na verdade e na informação, independente do gosto daquele que é o interlocutor.

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