Quem matou Marielle?

Maria Catarina Mazzitello
singular&plural
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4 min readMay 29, 2018

O tribunal midiático no caso da morte da vereadora do Psol

Por Alexa Meirelles, Fernanda Campos e Maria Catarina Mazzitello

No dia 14 de março, a vereadora Marielle Franco foi executada em seu carro quando voltava de um evento chamado “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, na Rua Joaquim Palhares, no Estácio. A integrante do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e seu motorista, Anderson Gomes, foram alvejados a tiros de uma pistola calibre 9mm. Foi um rebuliço. O assassinato de Marielle — mulher, negra, vinda da favela, defensora de Direitos Humanos, de um partido declaradamente de esquerda — foi um recado claro: não se mexe no status quo. Marielle, a 4ª vereadora mais votada na cidade do Rio de Janeiro, denunciava veementemente os assassinatos de jovens da favela pelas milícias e falava de forma incisiva sobre a violência policial e o genocídio da população carioca negra e pobre.

Marielle teve sua voz calada em um crime declaradamente político. Atos em diversos estados demonstraram luto pelo assassinato da vereadora. “Marielle, presente”, diziam vozes em coro na Avenida Paulista, na Candelária, e tantos outros lugares. Celebraram seu mandato enquanto viva, afirmando repetidamente que tentaram “enterrá-la, mas não sabiam que era semente”. Logo, suas ideias resistiriam. O assassinato foi notícia em jornais ao redor do mundo. Entretanto, ainda se cobra a solução para o crime: quem matou Marielle?

Muitas questões foram levantadas a partir do ocorrido. Sobretudo, o perigo que os defensores dos direitos humanos sofrem no Brasil. Segundo o relatório publicado pela Anistia Internacional em dezembro de 2017, nosso país se encontra como o país que mais mata, em nível mundial, tais ativistas. De janeiro a setembro do ano passado, foram contabilizadas 62 mortes de acordo com dados Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos. Matérias deram destaques para outras figuras na política semelhantes a Marielle — inclusive uma de suas amigas, a vereadora Talíria Petrone, também carioca, eleita com 5.121 votos, foi a candidata mais votada de Niterói.

Depois de quase dois meses, uma pista sobre a execução de Marielle e Anderson: o jornal O Globo deu o furo. Uma testemunha não identificada teria afirmado em depoimento à Polícia Federal, que o vereador do PHS (Partido Humanista da Solidariedade), Marcello Moraes Siciliano, teria sido o mandante do crime junto com o ex- militar e líder miliciano Orlando Oliveira Araújo, conhecido como Orlando Curicica. Também miliciano, Marcello teria desafeto a Marielle por terem opiniões divergente, chegando a discutirem no plenário da Câmara Municipal. O vereador passou a ser apontado como o assassino de Marielle, com uma suposta frase que teria afirmado seu desejo de calar a psolista.

Tomaz Silva/Arquivo Agência Brasil

A testemunha ou delator afirmou ter sido obrigado a trabalhar para Orlando Curicica sob ameaça de morte. Quando o conheceu, o delator trabalhava na instalação de TV à cabo clandestina na comunidade de Boiúna, em Jacarepaguá — zona oeste do Rio de Janeiro. Essa é uma atividade comandada pelas milícias e quando Curicica tomou conta da comunidade, fez a testemunha trabalhar para ele.

Os nomes dos parlamentares e do líder miliciano ocuparam manchetes de muitos outros jornais. A investigação ainda está correndo, assim como a produção completa de provas que possam afirmar com certeza os protagonistas do crime. Em tempos de polarização política tão latente, colocar um vereador miliciano como o assassino de uma vereadora da oposição é a narrativa perfeita para aflorar mais ainda o debate que ronda a morte de Marielle.

Pode ser que eles tenham sido os mandantes, também pode ser que não tenham sido. Mas até que se prove inocência, seus nomes já estão amarrados a um crime preocupante que deixou o mundo em alerta. Mas a questão é: qual o papel que a mídia exerce sobre a investigação do caso? Essa informação deveria ter sido divulgada agora?

No Brasil, temos um histórico de um jornalismo que, em vez de informar com exatidão de fatos e apuração elaborada, decide abrir um tribunal midiático e lançar nomes de “possíveis culpados” de uma investigação (não concluída), como a de Marielle, para que sejam apedrejados pelo público. Um exemplo claro disso foi o caso da escola Base, instituição privada de classe média alta em São Paulo, que abrigou um inquérito sobre um possível caso de abuso sexual infantil. Os donos do colégio, o responsável pela van escolar e um casal, pai de um dos alunos, foram acusados de abusar das crianças. Diferente do caso de Marielle, a fonte que forneceu à mídia os nomes dos principais investigados foi o próprio delegado que estava encabeçando o caso. Contudo, ele fez isso sem esperar as investigações terminarem. O resultado disso foi a propagação em escala nacional de supostos acusados do crime que na verdade eram inocentes. Tiveram suas vidas ameaçadas por diversas pessoas que os consideravam criminosos, pervertidos, “monstros”, por conta do que havia sido noticiado. Sofreram com síndrome de pânico e viram sua rotina virar um verdadeiro inferno.

Independente do perfil da pessoa de quem estamos falando, é necessário pensar no princípio constitucional da presunção de inocência — aquele que garante que os acusados sejam considerados inocentes até que se prove o contrário. E por se tratar de um crime considerado político, que envolveu o mundo, é necessário lucidez da parte da imprensa e de quem recebe as informações. Caso contrário, poderemos atribuir culpa a quem não tem, e arruinar de vez sua vida e a de sua família. Além disso, nesse caso, também existem consequências na vida da fonte delatora, que segundo outra matéria do Globo, “está jurado de morte”.

Marcelo Freixo, ex-candidato à prefeitura do Rio de Janeiro pelo Psol e muito amigo de Marielle, comentou o conteúdo da investigação divulgado na mídia em uma entrevista para o Fantástico. “É possível que seja a milícia? É, mas é importante que tenha produção de provas. A gente não quer vingança, a gente quer Justiça.”

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Maria Catarina Mazzitello
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Atriz e jornalista. Fã de diálogos e subtextos. Membro do canal 16mm no youtube. Metida com arte em geral.